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Fuvest 2020: relembre as nove obras literárias obrigatórias no exame

Canaltech
Imagem: Canaltech

Carolina Cunha

Colaboração para o UOL

22/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Prova acontece neste domingo (24)
  • Os livros serão cobrados nas provas de Língua Portuguesa e Literatura
  • Obras são representativas dos diferentes períodos das literaturas brasileira e portuguesa

A prova da primeira fase do vestibular Fuvest 2020, o maior do país, acontece neste domingo (24) e tem uma lista de nove obras literárias cuja leitura é obrigatória para os candidatos que estão concorrendo a uma vaga na Universidade de São Paulo (USP).

O UOL faz a correção online em parceria com o Objetivo.

As publicações integram o conteúdo da prova de Português e Literatura e são representativas dos diferentes períodos das literaturas brasileira e portuguesa. Veja o resumo e principais pontos dos livros obrigatórios.

Poemas Escolhidos, de Gregório de Matos

O baiano Gregório de Matos é considerado o primeiro grande poeta do Brasil e o maior nome da poesia barroca nas Américas portuguesa e espanhola. Sua habilidade de se expressar de forma crítica e irônica garante ao poeta o apelido de Boca do Inferno. O nome tinha um duplo sentido, porque saíam de sua boca tanto a obscenidade quanto os pecados da humanidade.

Gregório ficou famoso como poeta satírico, mas também produziu poemas engenhosos nas vertentes lírica, encomiástica, erótico-irônica e religiosa. A coletânea Poemas Escolhidos, elaborada por José Miguel Wisnik, reúne poemas de diversas vertentes. No prefácio, Wisnik indica que a poesia de Gregório pode ser entendida como "uma luta cômica entre duas sociedades, uma normal e outra absurda".

Os poemas satíricos tecem considerações críticas à sociedade baiana, desde os mais poderosos membros até as camadas menos privilegiadas, retratando as contradições sociais e a realidade local. A corrupção, os desmandos administrativos, a opressão, o culto da ignorância e a ostentação de riqueza são temas frequentes.

Sua poesia lírica se divide entre amorosa e religiosa. A lírica amorosa surge através da declaração de amor para uma mulher, quase sempre idealizada. No aspecto religioso, o poeta aborda o universo da Igreja Católica e se mostra como um pecador, buscando o amor de Deus e destacando o peso da punição divina.

Gregório de Matos está inserido num contexto histórico de mudanças. No final do século 17, Portugal estava em decadência e o sistema escravocrata colonial não conseguia mais sustentar a metrópole. Portugal impôs uma série de restrições comerciais e impostos e os proprietários rurais brasileiros passaram a enfrentar uma forte crise econômica.

O poeta era filho de senhor de engenho e bacharel em direito. Depois de ter passado por importantes cargos públicos, Gregório de Matos resolve desligar-se de tudo e viver à margem da sociedade como um poeta andarilho, frequentando festas populares e convivendo com o povo do Recôncavo Baiano.

Quincas Borba, de Machado de Assis

Rubião é um ingênuo professor de Barbacena que recebe inesperadamente a herança do amigo Quincas Borba, filósofo que aparece no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. A fortuna vem com a incumbência do herdeiro de cuidar do cachorro de Quincas Borba. De posso da fortuna, Rubião deixa o interior e parte para o Rio de Janeiro em busca de status e aventuras. Na cidade, será manipulado pelo capitalista Cristiano e sua esposa Sofia. Rubião não está preparado para enfrentar as complexidades das relações sociais da cidade, marcada por jogos políticos e aparências. Aos poucos, ele perde sua fortuna, sua identidade e por fim, a própria sanidade mental.

Assim como o famoso Memórias Póstumas de Brás Cubas, este livro faz parte da fase Realista de Machado de Assis. A obra, publicada em 1892, analisa como o dinheiro e o apego às aparências da sociedade podem levar um sujeito ingênuo à ruína. O filósofo Quincas defendia o Humanitismo, tese criada por si, que faz uma alusão a conceitos apresentados no Positivismo e Determinismo, muito em voga no século 19. Rubião parece destinado a ilustrar a teoria do filósofo Quincas, resumida na frase: ao vencedor, as batatas. A máxima traduz a ideia da sobrevivência do mais forte.

A Relíquia, de Eça de Queirós

Teodorico Raposo, o "Raposão", busca beneficiar-se da herança de Dona Patrocínia, uma tia rica e beata. A tia impõe-lhe uma condição: ele deveria viajar à Palestina para provar sua fé e trazer de lá uma recordação. A ideia é que Teodorico vivencie uma experiência religiosa, mas ele se envolve em outros prazeres. Com as malas prontas para voltar, lembra-se da promessa. Prepara, então, uma coroa com ramos, e a embrulha - a relíquia. No meio do caminho, troca os pacotes e diante da tia e de membros do clérigo, abre o presente errado. Acaba sendo deserdado e decide se casar por interesse.

Os romances de Eça de Queirós tratam da realidade de Portugal do século 19. A obra de 1887 é realista e usa a ironia e o sarcasmo como crítica social. Por meio do personagem Teodorico, e sua tia, o escritor português explora e aponta a hipocrisia dos moralistas e da elite da época. O protagonista vive de aparências. Para garantir a tutela de sua tia rica e permanecer concorrendo à herança que ela deixaria, Teodorico precisa mascarar sua personalidade. O narrador conta a história dele mesmo e utiliza a fantasia para desnudar a construção de verdades. Ele narra sua saga cheia de fracassos e de falta de ética, mas a transforma em relatos de um vitorioso, tentando convencer o leitor de seus princípios e de como "se deu bem".

O Cortiço, de Aluísio Azevedo

A obra de 1890 mostra o cotidiano de personagens que vivem em um cortiço, no Rio de Janeiro do final do Império. Em um espaço pequeno, amontoam-se os marginalizados da sociedade, com seus dramas pessoais na luta pela sobrevivência. São trabalhadores modestos, imigrantes, homens gananciosos, malandros, lavadeiras, prostitutas. No entanto, o cortiço é o personagem principal, descrito como um lugar sujo, insalubre e promíscuo, espaço que denuncia a miséria das camadas populares na cidade.

O Cortiço é considerado um dos marcos do Naturalismo no Brasil e o primeiro grande romance social brasileiro. É importante observar a oposição nítida ao romantismo idealizado. O autor utiliza o contexto de transformação urbana do Rio de Janeiro da época para falar das mazelas sociais e explorar os instintos que existem em cada ser humano.

Os habitantes do cortiço são mostrados com comportamento aproximado ao dos animais. Essa aproximação entre humanos e comportamentos animais é chamada de zoomorfismo. Por meio das personagens, a obra analisa também como o ambiente é capaz de modificar a personalidade e a moral dos indivíduos, mostrando a exploração do homem pelo homem. A redução das criaturas ao nível animal e a sugestão de que o homem é o fruto do seu meio sugere a influência das teorias científicas do século 19 como o Darwinismo, Lamarckismo e Determinismo.

Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade

Publicado em 1951, o livro reúne 42 poemas do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. Os temas são variados, mas, de um modo geral, são marcados pela indagação do sentido da vida e por questões filosóficas que se estendem pelo território da memória e dos afetos. Existe ainda um diálogo do eu lírico com outros poetas a qual faz referências literárias.

Claro enigma também conta com "A máquina do mundo" - eleito o melhor poema brasileiro do século 20 por um grupo de críticos e especialistas consultados pelo jornal Folha de S.Paulo. No poema, Carlos Drummond de Andrade apresenta o contato entre o eu lírico e a máquina do mundo, que lhe oferece a resolução de todos os mistérios do universo.

A obra abre com a epígrafe do poeta francês P.Valéry (Os acontecimentos me entediam). Ela pode sugerir que o poeta quer distanciar-se dos acontecimentos para apenas planar sobre o território filosófico. No contexto histórico, a obra foi publicada durante a Guerra Fria (com o fim Segunda Guerra Mundial) e no contexto da bomba atômica de Hiroshima. Depois da guerra, o medo de um possível conflito nuclear era constante. Há certo desencanto com relação ao ser humano. O mundo passava por uma descrença nas utopias que previam uma sociedade mais igualitária e justa.

Essa fase da obra do poeta é tida com a mais madura dele. Se na fase anterior, Drummond buscava o engajamento social por meio de livros como A Rosa do Povo (1941), nesta, passa a adotar uma postura mais existencial. Mas essas indagações também partem da observação da vida, dos afetos e dos lugares que habitam o eu lírico.

Drummond volta a investir em formatos clássicos, como por exemplo, o soneto ("Remissão", "A ingaia ciência", "Sonetilho do falso Fernando Pessoa", entre outros). Alguns poemas são composições formais que obedecem a regras de rima e métrica. Ele também dialoga com referências a outros escritores como Camões, Dante, Sá Miranda e Fernando Pessoa.

Angústia, de Graciliano Ramos

Escrito em primeira pessoa, Angústia apresenta um homem comum que não encontra mais propósito em viver. Luís da Silva, funcionário público de 35 anos, descende de uma família de senhores de terra e de escravos que foi à falência. Morador de um subúrbio pobre, Luís projeta seus anseios em sua noiva Marina. Surge a figura de Julião Tavares, um conquistador e filho de um homem rico. Marina engravida de Julião e Luís busca vingança. Após alguns acontecimentos, Luís é acometido por uma profunda crise existencial.

Publicada em 1936, a obra é da 2ª Geração do Modernismo (1930-1945). Foi escrita durante o tempo em que Graciliano Ramos ficou preso, sem processo nem acusação formal, pela polícia política de Getúlio Vargas. Graciliano Ramos coloca nesta obra, muita relação com sua própria vida. O romance é marcado pela introspecção, subjetivismo e crítica social.

Trata-se de uma viagem psicológica que explora o sentimento de não pertencer ao mundo que o cerca. A obra sugere uma reflexão sobre um momento histórico brasileiro marcado politicamente pela ascensão de um regime autoritário e a dissolução de estruturas sociais e econômicas. Há um conflito entre o velho País colonial e o novo País que começava a ser construído a partir da era Vargas.

Minha Vida de Menina, de Helena Morley

A obra é um diário escrito por Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, quando tinha entre 13 e 15 anos. Trata-se de um diário escrito entre 1893 e 1895, quando a menina vivia na cidade mineira de Diamantina.

Este livro transporta seus leitores para o cotidiano da cidade de Diamantina do fim do século 19. A escrita traz uma linguagem fácil e espontânea e releva uma boa capacidade de percepção da realidade. As memórias e os acontecimentos cotidianos são contados em primeira pessoa, sob o olhar crítico, irônico e muitas vezes ingênuo de uma adolescente. Ainda que predomine a norma culta, os índices de oralidade estão presentes.

É possível encontrar descrições detalhadas da época: a mineração, a abolição da escravatura, festas religiosas, a recente proclamação da República, além de alguns problemas sociais e econômicos enfrentados pela própria cidade. Temas como o racismo estão presentes, com cenas que refletem a cultura escravista do Brasil, da qual a autora fazia parte. O cotidiano retratado é permeado por menções que revelam as relações de trabalho e a ascensão dos negros alforriados que buscavam um lugar na sociedade.

Sagarana, de João Guimarães Rosa

O livro traz um conjunto de nove contos de Guimarães Rosa, que foram escritos em 1937 e publicados em 1946. Todas são ambientadas no interior de Minas Gerais, na região do sertão, localizada no norte e noroeste do estado. Ele narra a realidade do sertão e o encantamento do sertanejo.

A obra marca a estreia do escritor na literatura. O título é um hibridismo (união de dois radicais de línguas distintas): "saga", de origem germânica, significa canto heroico e "rana", de origem tupi-guarani, quer dizer "à maneira de". As narrativas possuem forte caráter regionalista, porém, trazem temas de natureza universal. São verdadeiras fábulas em que Minas Gerais aparece como um espaço mágico e mítico.

O primeiro conto é "O burrinho pedrês", que traz um burro idoso, escolhido para servir de montaria num transporte de gado. A humanização do burrinho situa a narrativa na fronteira entre o real e o mágico. O leitor segue com "A volta do marido pródigo", com a história de um mulato que abandona o trabalho, negocia a mulher e vai para o Rio de Janeiro. "Sarapalha" mostra uma região devastada pela malária. "Duelo", traz a história de Tuíbio, que surpreende a mulher, Silvana, com o ex-militar Cassiano. Só que, por engano, ele mata o irmão desse amante.

"Minha gente" é uma história de amor em primeira pessoa movimentada pelo clima das eleições. Em "São Marcos", o protagonista José, zomba dos feiticeiros do Calango-Frito, em especial, de João Mangolô. "Corpo Fechado" conta a história de Manuel Fulô, sujeito que ama mais sua mula do que a noiva. Para salvar a noiva de um valentão, ele entrega a mula a um feiticeiro para fechar o seu corpo. "Conversa de bois" narra a viagem de um carro de bois. Nele, os animais falam e raciocinam. Em "Hora e vez Augusto Matraga", o protagonista é um sujeito poderoso e truculento. Um dia ele é atacado por seus inimigos e quase morre. Enquanto se recupera, ele tenta se regenerar, em um conflito interno entre o bem e o mal.

Mayombe, de Pepetela

Publicado em 1980, Mayombe foi escrito durante a participação do escritor angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos (Pepetela) na guerra de libertação de Angola, na década de 70. A narrativa recompõe o cotidiano dos guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) de ideais socialistas e igualitários. Eles lutam contra as tropas portuguesas coloniais.

Pepetela ganhou o Prêmio Camões de Literatura com Mayombe. O romance aborda as ações de combate dentro da floresta do Mayombe, os sentimentos e as reflexões do grupo, e as contradições e os conflitos que permeavam as relações naquele momento.

Narrado em primeira pessoa, a pluralidade de vozes narradoras vai se constituir um diferencial e revelam o olhar pessoal e subjetivos dos guerrilheiros. Os personagens possuem nomes de guerra que refletem suas funções: o Chefe do Depósito, o Chefe das Operações, Lutamos, O Comissário Político, entre outros.

Pepetela procura refletir sobre a identidade e utopias do povo angolano, refletindo o recente processo de descolonização. Além de abordar o contexto do conflito, o autor também explora alguns dos fatores que levaram à guerra civil no país depois de se tornar independente. A diversidade de tribos em um mesmo território fazia companheiros de um mesmo grupo possuírem rivalidades e pendências a serem resolvidas.