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Ditadura e igualdade de gênero: temas estão na mira de Bolsonaro desde 2019

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse no início da semana que Enem está com a "cara do governo" - José Dias/PR
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse no início da semana que Enem está com a "cara do governo" Imagem: José Dias/PR

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

20/11/2021 04h00

Desde o início de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) critica temas que, segundo ele, não deveriam ser abordados no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A ditadura militar está no topo da lista, segundo servidores.

Em 2019, por exemplo, a comissão criada naquele ano para decidir as questões que entrariam ou não na edição do Enem chegou a sugerir a troca de "ditadura" por "regime militar". Segundo o grupo, o termo geraria "leitura direcionada da história".

Foi a partir de 2019 também que o assunto não foi mais abordado diretamente no Enem.

Às vésperas da edição de 2021, denúncias de supostas interferências nas questões do exame passaram a surgir no noticiário. No início do mês, mais de 30 servidores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) —órgão responsável pelo Enem— pediram exoneração de seus cargos.

Reportagem do Fantástico, da TV Globo, apresentou, no domingo (14), relatos de servidores que afirmaram que o diretor de Avaliação de Educação Básica, Anderson Oliveira, pediu a remoção de mais de 20 questões da primeira versão da prova deste ano.

Servidores ouvidos pelo UOL afirmam que têm colocado os temas considerados "sensíveis" pelo governo de forma implícita nas provas. No Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), que atinge menos alunos do que o Enem, houve questão a respeito da ditadura.

Recém-eleito em 2018, Bolsonaro criticou uma pergunta que trazia pajubá como "dialeto secreto" entre gays e travestis. Professores afirmam que não há motivo para polêmica, já que o Enem sempre tratou de variedade linguística ou até mesmo preconceito linguístico.

Em documento enviado ao TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria-Geral da União), os servidores afirmaram que o momento de montagem da prova é de "extremo risco e delicadeza" para evitar vazamentos ou, por exemplo, "preferências políticas".

"O que se vê desde as eleições presidenciais de 2018 é uma diretriz do presidente da República para indução ideológica no exame, com críticas reiteradas a diversas questões", diz o documento.

O UOL pediu um posicionamento do MEC (Ministério da Educação) e do Inep, mas não obteve resposta. O espaço fica aberto para atualização.

Após as denúncias de supostas interferências e da saída dos servidores do Inep, Bolsonaro disse que agora o Enem está com a "cara do governo". Dias depois, ele negou ter tido acesso prévio à prova. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o exame está a cara do governo no "sentido de competência, honestidade e seriedade".

Igualdade de gênero e movimentos sociais

Além da ditadura, temas como igualdade de gênero e movimentos sociais também são criticados por Bolsonaro e seus aliados. Em janeiro deste ano, após aplicação do Enem, o presidente criticou uma pergunta que falava da desigualdade salarial entre os jogadores Marta e Neymar.

"O banco de questões do Enem não é do meu governo ainda, é dos governos anteriores. Têm questões ali ridículas, ainda. Ridículas, tratando do assunto. Comparando mulher jogando futebol, mulher e homem, por que que a Marta ganha menos que o Neymar...", disse aos seus apoiadores, na época.

A mesma comissão que sugeriu a troca de ditadura por "regime militar" também barrou uma questão que falava sobre a Marcha das Vadias. Segundo reportagem da Piauí, o grupo vetou a pergunta por "gerar polêmica desnecessária". Temas como discussão da maior idade penal, armas de fogo e violência policial também foram barrados.

Em relação aos movimentos sociais, os servidores afirmam que há pressões desde o início do governo Bolsonaro para não falar bem, nem mal. A "estratégia" para tratar o tema é a mesma relacionada à ditadura, citam de forma implícita.

Apesar de o assunto aparecer quatro vezes na matriz de ciências humanas —diretriz sobre os conteúdos da prova—, ele é ignorado pelo governo Bolsonaro. Em outras edições, como as de 2011 e 2015, o tema foi abordado.

Para Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) e ex-diretora de educação do Banco Mundial, o risco é maior para o futuro já que novos itens (questões) estão sendo feitos agora. "O objetivo do governo é ter uma captura política do Enem e isso seria um desastre completo. Desconstruir um trabalho sério e tecnicamente complexo de avaliar a aprendizagem para algo ideológico", afirma.