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Jornal: Pastor ofereceu desconto em propina para liberar verbas do MEC

Milton Ribeiro, Arilton Moura e Gilmar Santos - Reprodução/Redes sociais
Milton Ribeiro, Arilton Moura e Gilmar Santos Imagem: Reprodução/Redes sociais

Do UOL, em São Paulo

24/03/2022 14h10

Apontado como líderes do gabinete paralelo no MEC (Ministério da Educação), os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura atuavam de forma coordenada na cobrança de propina para intermediar a liberação de recursos para escolas, segundo publicado hoje pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Conforme relatos de prefeitos à reportagem, após levar os gestores municipais a reuniões no ministério, Arilton iniciava conversas informais e chegava a oferecer desconto na propina que cobrava — as abordagens eram feitas durante almoços.

O prefeito de Bonfinópolis (GO), Professor Kelton Pinheiro (Cidadania), contou ao "Estadão" que Arilton ofereceu um "desconto" de 50% no pedido de propina. A proposta, segundo ele, aconteceu durante um almoço num restaurante de Brasília e teve o aval do pastor Gilmar Santos, líder da igreja Cristo para Todos.

O encontro no restaurante, segundo Pinheiro, ocorreu após uma reunião com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, na sede do MEC. Pinheiro contou que ele e a mulher almoçaram na companhia de Gilmar Santos e Arilton se aproximou deles depois de ter passado por outras mesas. O jornal publicou o áudio com o relato de Pinheiro.

"[Arilton] falou: 'vou lhe fazer por R$ 15 mil porque você foi indicado pelo pastor Gilmar, que é meu amigo. Pros outros aqui, o que eu estou cobrando aqui é R$ 30 mil [sic]'", narrou o prefeito.

"[Arilton] sentou do meu lado, em um dos lados da mesa, falou: 'olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$ 15 mil hoje. O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: 'eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga'", continuou Pinheiro.

Ainda conforme o prefeito relatou ao jornal, Arilton disse que os R$ 15 mil seriam usados para custear despesas dele na capital federal. Na sequência, o pastor propôs, segundo ele, um desconto de 50% na propina. Pinheiro disse que Gilmar Santos apoiou o pedido, falando que o colega era "amigo do ministro" e conseguiria a liberação dos recursos.

"Faz mais barato para ele mesmo, pastor", disse Gilmar Santos, segundo o prefeito. "Estimulou (o pedido de dinheiro)."

Kelton Pinheiro relatou ainda ao "Estadão" que Arilton também propôs que ele fizesse uma contribuição para a igreja que ele estava construindo por meio da compra de bíblias no valor de R$ 50.

"Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja. Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério", disse o pastor, segundo o prefeito.

O prefeito disse ter ficado "indignado" e não aceitou a proposta. "O cara está sentado do lado do ministro, um à direita, o outro à esquerda. Saem da reunião e vêm com essa conversa. A vontade que eu tive ali foi de mandar ele para o quinto dos infernos", reclamou.

PGR pede ao STF para investigar suspeitas

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu na noite de ontem ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para investigar a conduta de Milton Ribeiro. A relatora da ação na Corte será a ministra Cármen Lúcia.

Segundo apurou a colunista do UOL Carla Araújo, a decisão de Aras de encaminhar o pedido ao Supremo aconteceu após diversas representações chegarem à PGR (Procuradoria-Geral da República) pedindo apuração de suspeitas de tráfico de influência e favorecimento a pastores evangélicos na liberação de dinheiro para prefeituras.

A PGR deve pedir também para tomar depoimentos dos pastores citados nas reportagens e de prefeitos sobre o suposto esquema de propina.

O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, relatou ao jornal que Arilton, na presença de Gilmar Santos, teria cobrado propina em ouro para facilitar acesso ao ministério.

Versão do ministro

Ontem, o ministro da Educação confirmou que recebeu pastores citados, mas negou ter dado tratamento especial a eles. Em entrevista à CNN Brasil, Milton Ribeiro revelou surpresa com a informação sobre o pedido de propina.

Para o programa "Pingos nos Is", da Jovem Pan, o ministro disse que acionou a CGU (Controladoria-Geral da União) para investigar uma denúncia anônima sobre a solicitação de propina na pasta. Segundo ele, a informação chegou a seu conhecimento em agosto de 2021.

"Quando, em agosto do ano passado, eu ouvi e recebi uma denúncia anônima a respeito da possibilidade de que eles [os pastores Gilmar e Arilton] estariam praticando algum tipo de ação não republicana, imediatamente eu procurei a CGU. E fiz um ofício em que eu noticio ao senhor ministro da CGU que houve esse tipo de indicação", relatou.

Apesar da pressão, o ministro disse que nunca pensou em deixar o cargo e se colocou à disposição do Congresso Nacional para dar as explicações necessárias.

A Comissão de Educação do Senado aprovou na manhã de hoje convite ao ministro para prestar informações sobre os áudios vazados em que ele admite priorizar a liberação de recursos do MEC às prefeituras indicadas por dois pastores evangélicos de sua confiança. O depoimento foi marcado para a próxima quinta-feira (31).

A CGU disse ter encontrado indícios de irregularidades cometidas por terceiros —mas não agentes públicos — para liberar recursos do Ministério da Educação. Ao jornal, o ministro da CGU, Wagner Rosário, confirmou a abertura de investigação em setembro do ano passado após solicitação de Ribeiro.

A reportagem do Estadão informou que apurou que o investigado é o pastor Arilton. A Controladoria repassou o caso à Polícia Federal por haver indício de "oferta de vantagem indevida" para liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A CGU abriu uma nova apuração a partir das informações divulgadas pela imprensa.

O pastor Gilmar Santos negou ter recebido ou contribuído para o recebimento de propina. Pelas redes sociais, Santos disse que repudia as acusações de ter participado do suposto esquema. O UOL tenta localizar Arilton. O espaço está aberto para manifestações.