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Escola deve priorizar lado criativo da matemática, diz 'Nobel' brasileiro

Folhapress
Imagem: Folhapress

Eric Brücher Camara

Da BBC Brasil em Londres

14/08/2014 13h21

O ensino fundamental deveria destacar o lado criativo da matemática, na opinião do pesquisador brasileiro Artur Avila, ganhador de uma Medalha Fields – prêmio que é frequentemente chamado de "Nobel da matemática".

O prêmio foi considerado a mais importante distinção científica já conquistada por um brasileiro.

Em entrevista à BBC Brasil, Avila afirmou que a matéria é apresentada de forma pouco interessante, o que pode afastar crianças talentosas da carreira científica.

"Na atividade real, fazer matemática é uma coisa extremamente criativa", disse.

O pesquisador, que divide o seu tempo entre o Rio de Janeiro e Paris, afirmou que ele mesmo só se deu conta do apelo da profissão ao participar de uma Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM).

O evento abriu as portas de uma carreira vertiginosa, que o levou a completar um doutorado no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada – o Impa, com sede no Rio – aos 21 anos.

Impulso à matemática

"Eu tinha outras coisas que me interessavam, mesmo em ciências. Foi só quando eu compreendi que tinha tanta criatividade em matemática que eu escolhi de fato esta direção", disse, por telefone, de Seul, na Coreia do Sul, onde participa do Congresso Internacional de Matemática (CIM).

Para ele, além do orgulho pela conquista do prêmio mais prestigioso do planeta em matemática, o Brasil vive um momento importante para o seu campo.

Em 2017, o país sediará a Olimpíada Internacional de Matemática pela primeira vez.

No ano seguinte, acontecerá no Rio o próximo CIM, o maior evento da área, em que são anunciados os vencedores da Medalha Fields.

Avila, vencedor de diversos outros prêmios internacionais – entre eles, uma medalha de ouro na OBM e distinções das sociedades Europeia e Brasileira de Matemática – admitiu ter ficado surpreso com a honraria.

A medalha é dada apenas a pesquisadores com menos de 40 anos, cujos trabalhos sejam considerados fundamentais para o avanço da matemática, e por isso, é mais comum que os laureados estejam próximos da idade limite.

No entanto, Avila tem apenas 35 anos, e ainda poderia ser escolhido para o prêmio de 2018.

"Fiquei surpreso", disse.

Na entrevista à BBC, o matemático se mostrou ligeiramente incomodado com a frequente comparação da Fields com o Nobel.

"A medalha Fields é difícil, não se pode usar isso como parâmetro. Para se ter uma ideia, a Alemanha tem só uma. Ou seja, não tem 10 ou 20 medalhas Fields por país", disse.

Por isso mesmo, para ele é "bem mais estranho que não exista um Nobel nas outras áreas do que não ter existido uma medalha Fields para o Brasil até agora".

Oportunidades

Uma possível razão para isso, segundo Avila, seria a escassez de recursos para ciência no Brasil.

Pelo menos no campo dele, os próximos anos apresentarão grandes oportunidades para o governo.

"E mesmo em outros níveis e talvez estimular pessoas a considerarem a carreira", completou.

Para isso, o governo deveria refletir sobre a "maneira certa" de incentivar a ciência.

"Não é muito caro, creio, fazer ciência, dentro de todo o orçamento que têm", afirmou. "Embora o Brasil já faça matemática em um nível elevado em certos campos, ainda há muito para ser feito em questão de estender as áreas de atuação neste nível e também levar a produção matemática a outras áreas do país."

Para isso, evidentemente, o Brasil precisará de novos matemáticos. Mas essa é realmente uma carreira é viável para quem também busca segurança?

"É uma carreira de classe média, de bom nível no Brasil, talvez mais que na França", disse.

Avila acrescentou que há diversas compensações adicionais, além é claro da satisfação de se fazer aquilo que se gosta.

Ele diz que a matemática garante bastante liberdade e é uma carreira pouco hierarquizada.

"Não tem que lidar com chefe, você decide no que vai trabalhar e como vai obter resultados. Você pode adaptar o modo de trabalhar às próprias características."

Trata-se de pontos positivos para o carioca, que gosta de pensar nas soluções de complexos problemas abstratos andando de bermuda na praia.