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Greve nas escolas: aula de democracia

Marcelle Souza/UOL
Imagem: Marcelle Souza/UOL
Guilherme Perez Cabral

02/05/2017 04h00

A greve ocorrida na última sexta-feira, com a adesão de escolas e universidades, alunos, professores e profissionais da educação, mais do que um ato político e legal, deve ser entendida e comemorada como um ato educativo.

Em linhas gerais, é política toda tomada de posição e ação, na vida em sociedade, em relação a temas que dizem respeito à coletividade --assuntos públicos, portanto. Não são políticos, apenas, aqueles que atuam no governo (deputados, senadores, prefeitos, presidente, etc.). E o fato de os políticos de profissão exercerem seu ofício de forma lamentável não torna, por si só, o termo “político” um xingamento.

Apesar desses políticos que não nos representam, continuamos todos sendo seres políticos, na definição que vem desde Aristóteles.

A tomada de partido a favor das reformas trabalhista e previdenciária, contra elas ou favor delas em outros termos, a opção de permanecer em silêncio sobre o tema, tudo isso é essencialmente político. Os alunos, pais de alunos e professores que se posicionam contra a greve, criticando seu caráter “político” e entendendo que isso prejudica o andamento das “aulas”, agem politicamente também.

A greve é, não há nenhuma dúvida, um ato político. E um ato político garantido pela Constituição Federal, que assegura o direito de greve, “competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, e garante à população em geral o direito de manifestação e reunião. Citando outros importantes professores de Direito Constitucional, Ingo Sarlet fala, inclusive, no direito fundamental de resistência e de desobediência civil.

Finalmente, a greve é um ato educativo. Tem incontestável caráter formador, colocando-se como um caminho de conhecimento político e de experiência política, falam Paulo Freire, Moacir Gadotti e Sérgio Guimarães, no diálogo que virou livro “Pedagogia: Diálogo e Conflito”.

A greve não é uma mera paralisação. A greve na escola não é uma ausência, um vazio. Vazia, paralisada e ausente é a escola que não debate os grandes e complexos temas nacionais (temas políticos, evidentemente). Vazia, paralisada e ausente é a escola que, neste momento tão complicado de nossa história, aceita passivamente a agenda, os diagnósticos e os remédios, muito questionáveis e enfiados goela abaixo por um governo afundado em acusações de corrupção. É vazia, paralisada e ausente (mesmo quando vomita conteúdos) por opção política.

A convocação e mobilização em torno da greve exige de nós um posicionamento crítico e, para tanto, o estudo mínimo sobre as matérias em discussão. Exige que estejamos abertos a questionamentos e, diante deles, que possamos prestar contas de nossas posições, com base em boas razões. Estimula-se o debate, o confronto de opiniões, a participação, fundamentais à educação e à democracia.

Assim, a greve, justificada e devidamente conduzida atende ao objetivo educacional de preparação para o exercício da cidadania, previsto na Constituição.

Paralisados, esvaziados e alienados já estamos faz tempo, mesmo (con)correndo sabe-se lá para onde. O ato político, constitucional e educativo da greve pode ajudar a sair desse imobilismo desumanizado.