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5 teorias conspiratórias para você desconstruir no Enem 2019

Pôster do filme Terra Plana mostra como seria o mapa se o planeta tivesse o formato de um disco - Divulgação
Pôster do filme Terra Plana mostra como seria o mapa se o planeta tivesse o formato de um disco Imagem: Divulgação

Jéssica Maes

Colaboração para o UOL

25/10/2019 04h00

Ironicamente, em plena era da informação não faltam teorias de conspiração sendo espalhadas e amplificadas pelas redes sociais. Assuntos que estiveram em discussão ao longo de 2019, como mudanças climáticas e vacinação, são alvos frequentes desse tipo de teoria. Por isso, é importante que os candidatos ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019 tenham conhecimento científico para não cair em armadilhas.

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a prova não deve trazer questões que coloquem em xeque conceitos cientificamente provados e aceitos. No entanto, podem ser cobrados temas que encontraram terreno fértil entre conspiracionistas.

Também é possível que as questões tragam reflexões a respeito do próprio fenômeno das teorias de conspiração e da propagação de informações falsas. "Abordar teoria da conspiração é discutir a ciência", diz Daniel Perry, professor de história e coordenador do Anglo Vestibulares.

Para ajudar a separar fatos científicos e históricos de especulações, selecionamos algumas teorias de conspiração que estiveram em alta no último ano e explicamos como lidar com esses assuntos na hora da prova.

A Terra é plana?

Muito antes de o ser humano conseguir ir para o espaço e ver com seus próprios olhos, nós já tínhamos provas abundantes de que a Terra não é plana. Aproximadamente em 240 a. C., o astrônomo Eratóstenes provou que a Terra era redonda e mediu a sua circunferência, comparando a sombra de dois objetos, um localizado na antiga cidade de Siena e outro em Alexandria.

A Terra na concepção dos terraplanistas: mais de 100 mil pessoas negam nas redes sociais a esfericidade do planeta - Divulgação - Divulgação
A Terra na concepção dos terraplanistas: eles negam a esfericidade do planeta
Imagem: Divulgação

Como estes tinham a mesma forma e o mesmo tamanho, se a Terra fosse plana, sendo observados no mesmo dia e no mesmo horário, eles deveriam ter a mesma sombra. "Porém, o objeto que estava em Siena tinha uma sombra maior do que o objeto em Alexandria, isso por conta da esfericidade da Terra", explica Márcia Abdo, coordenadora de geografia do Colégio Bandeirantes, de São Paulo.

Nesses mais de 2.000 anos de história, acumulamos ainda muitas outras provas. Elas vão de experimentos físicos à volta ao mundo realizada por Fernão de Magalhães, passando pela sombra esférica da Terra que aparece a cada eclipse lunar e por imagens registradas por satélites.

Terraplanistas desacreditam de tudo isso em favor de uma grande conspiração mundial que estaria escondendo a verdade. Assim, é muito difícil que uma questão do Enem aborde exclusivamente o terraplanismo. "Acho que eles poderiam ligar a fenômenos geográficos comprovados", afirma a professora.

Um exemplo seria uma questão que tratasse das diferenças climáticas na Terra em função da incidência dos raios solares mais ou menos inclinados por conta da esfericidade do planeta. Nos pólos, os raios solares chegam mais oblíquos do que nas regiões equatoriais —o que ocorre porque a Terra é esférica.

O homem pisou na Lua?

O ano de 2019 foi marcado pelas comemorações dos 50 anos da missão Apollo 11, a primeira tripulada por humanos a aterrissar na Lua. Por isso, é possível que esse tema seja abordado em alguma questão do Enem.

Como as teorias da conspiração de que o homem não foi à Lua se espalhavam antes da internet - Ilustração por Elena Scotti/Gizmodo/Getty Images/Nasa - Ilustração por Elena Scotti/Gizmodo/Getty Images/Nasa
O astronauta Neil Armstrong, na missão Apollo 11
Imagem: Ilustração por Elena Scotti/Gizmodo/Getty Images/Nasa

Contudo, outra teoria de conspiração famosa é a de que o ser humano não pisou na Lua. Para o professor de história do Curso Positivo, de Curitiba, Daniel Medeiros, as origens dessa descrença estão calcadas em um sentimento de rejeição ao sucesso e à influência dos Estados Unidos.

"Isso ganha força principalmente na América Latina, onde os EUA realizaram um série de intervenções e onde há muita influência da cultura norte-americana e uma força do capitalismo norte-americano", explica.

Ao todo, seis missões levaram astronautas até a superfície lunar. O professor aponta que o projeto Apollo lidava com uma tecnologia nova, que parecia fantasia. Apesar de ter sido largamente documentado em áudio, texto e vídeo, todo esse material tinha, devido às limitações da época, uma qualidade muito baixa, o que alimentou as conspirações.

"Os soviéticos nunca contestaram que o homem realmente foi à Lua", afirma o historiador, lembrando que eles seriam os maiores interessados em duvidar do sucesso norte-americano em meio à corrida espacial.

O professor aponta que, caso esse tema caia em alguma questão do Enem 2019, os candidatos devem se amparar na ciência.

"Quando se busca a fonte adequada, que é a ciência, não há discussão [sobre esse tema] ", aponta ele. "O maior argumento de que o homem foi à Lua é que estas experiências permitiram que ciência espacial avançasse e evoluísse. Hoje já se fala da perspectiva do homem ir a Marte", diz Medeiros.

Vacinas são necessárias e seguras?

Os surtos de sarampo, uma doença passível de imunização, vêm atingindo vários lugares do mundo, inclusive o Brasil. Além disso, segundo Luis Gustavo Megiolaro, professor de biologia e coordenador do curso Poliedro, vacina sempre é um assunto extremamente relevante para o Enem. Logo, fazer uma revisão e separar informação de qualidade é importante nessa reta final.

Neste ano, casos notificados de sarampo no mundo triplicaram nos primeiros sete meses em comparação com o mesmo período de 2018 - Erasmo Salomão/MS - Erasmo Salomão/MS
Neste ano, casos notificados de sarampo no mundo triplicaram nos primeiros sete meses em comparação com o mesmo período de 2018
Imagem: Erasmo Salomão/MS

A gente tem que lembrar que a origem do movimento antivacina é totalmente questionada", afirma o professor. As teorias de conspiração sobre vacinas ganham força com uma pesquisa publicada em 1998 que ligava a vacina tríplice viral à ocorrência de autismo. Posteriormente, o artigo foi refutado por não ter qualquer embasamento científico.

Além da suposta conexão entre vacinação e autismo ter sido derrubada pela própria literatura científica, a eficácia das vacinas pode ser comprovada analisando os índices oficiais. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre 2000 e 2017, a vacinação levou a uma queda de 80% no número de mortes por sarampo no mundo todo.

As vacinas têm um antígeno enfraquecido. Elas funcionam porque, a partir do momento em que são administradas no organismo, provocam uma resposta imunológica, fazendo com que o corpo produza anticorpos e crie uma memória imunológica.

É essa memória imunológica que vai entrar em ação quando aquele indivíduo, imunizado, entrar em contato com o antígeno novamente: dessa vez, o corpo já sabe como combater o agente para que a doença não se desenvolva.

Megiolaro diz que esse assunto pode ser abordado tanto tratando do mecanismo de funcionamento das vacinas quanto sobre a eficácia da imunização de populações. "Poderia ser um gráfico, uma tabela apresentando dados dos últimos anos sobre a capacidade prevenção de doenças das vacinas e, em contrapartida, mostrando que algumas doenças, como o sarampo, vêm ressurgindo porque as pessoas estão se vacinando menos", opina.

O professor lembra ainda que, como qualquer intervenção medicamentosa, vacinas também podem provocar reações adversas, dependendo da resposta do organismo ou do armazenamento e aplicação da própria vacina. "Mas a eficácia da vacina em relação à memória imunológica e imunizar uma população, eliminando ou diminuindo uma doença, são o suficiente [para o uso das vacinas]."

O aquecimento global é real? A humanidade tem influência nesse processo?

Mesmo antes de Greta Thunberg ganhar reconhecimento mundial, as mudanças climáticas e o aquecimento global já eram um tema recorrente em provas do Enem. No entanto, desinformação e interesses políticos e econômicos fazem o conhecimento científico a respeito do clima se confundir com teorias conspiratórias.

Negacionistas da mudanças climáticas se dividem, basicamente, em dois grupos: aqueles que negam que mudanças no clima estejam acontecendo e aqueles que até acreditam que o clima está mudando, mas acham que o ser humano não é responsável por isso.

No entanto, de acordo diferentes estudos, pelo menos 97% da comunidade científica sustenta que o clima está mudando e que a humanidade é responsável por essa mudança.

A emissões de dióxido de carbono, que têm um salto a partir da Revolução Industrial e não param de crescer, andam junto com o aumento na temperatura do planeta. Desde que a temperatura global começou a ser medida, em 1880, os nove dos dez índices de temperatura mais altos foram registrados no século 21 —a única exceção é o ano de 1998. Os cinco anos mais quentes já registrados aconteceram entre 2014 e 2018.

"Isso comprova que realmente as ações do homem foram responsáveis pelo aquecimento global", afirma Márcia Abdo, do Colégio Bandeirantes. Ela diz que esse tema pode cair no Enem em questões que tragam dados da série história da temperatura global, por exemplo, pedindo para que o candidato analise esses números e indique causas da variação na temperatura do planeta.

Outro exemplo de questão, de acordo com a professora, poderia incluir fenômenos que são causados pelas mudanças climáticas, como o rápido derretimento das calotas polares ou o aumento dos níveis dos oceanos, e pedir que o estudante aponte justificativas para eles.

O Holocausto existiu?

Outra efeméride deste ano é a que marcou os 80 anos do início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939. O conflito deixou milhões de mortos, ficou marcado pela perseguição sistemática aos judeus e é um pedaço importante da história do século 20, largamente estudado e documentado.

Ainda assim, baseadas em ideologias antissemitas, há pessoas que negam o Holocausto: o extermínio de 6 milhões de judeus pelo estado nazista. Negacionistas do Holocausto pregam que as câmaras de gás para extermínio em massa são um mito, que o Estado alemão não executou milhões de judeus e que qualquer morte era apenas resultado da própria guerra, não uma perseguição organizada pelo Estado aos judeus.

"Quem propaga essas ideias, são, em geral, simpatizantes do nazismo. Eles refutam a ciência em prol de uma crença que atende aos seus interesses", explica Daniel Perry, professor de história do Anglo Vestibulares. "Nós temos muitas provas do Holocausto, como depoimentos de sobreviventes, fotos, vídeos e outros documentos dos campos de extermínio e de todo o processo [de perseguição aos judeus] ".

É neste tipo de provas e nas informações provenientes delas que os estudantes devem buscar as informações que usarão durante o exame, caso precisem tratar de temas envoltos, de alguma maneira, em teorias da conspiração.

"O candidato deve desenvolver uma argumentação fundamentada na ciência. A teoria de conspiração traz explicações fáceis para questões complexas, nasce de lacunas explicativas e permanece nesse plano nebuloso", afirma Perry.