Covid faz bolsistas voltarem ao país, e Capes faz cobrança em 'euro caro'
Após terem de voltar do exterior às pressas devido à pandemia do novo coronavírus, bolsistas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) reclamam que o órgão está cobrando a devolução de parte das bolsas com base na cotação atual de moeda estrangeira, num valor superior ao do dia da disponibilização dos recursos. Em alguns casos, segundo os bolsistas, o prejuízo pode chegar a quase R$ 2.000.
No início de março, a Capes anunciou a possibilidade de solicitação de retorno antecipado para os bolsistas que estivessem em países com transmissão sustentada do novo coronavírus — quando o contágio da covid-19 pode ocorrer entre pessoas de dentro do país, sem necessidade de viagens a outros países.
Com isso, parte dos bolsistas de doutorado sanduíche que estavam na Europa e nos Estados Unidos decidiram antecipar a volta ao Brasil, mesmo antes do término da vigência das bolsas, o que implica devolução para a Capes dos recursos correspondentes aos meses seguintes ao retorno.
Mas, segundo os bolsistas, a Capes está solicitando a devolução da mensalidade do mês de abril com base na cotação atual do euro e do dólar, que sofreram alterações significativas no câmbio de lá para cá.
É o caso de uma pesquisadora que foi para os Estados Unidos com uma bolsa com vigência entre dezembro do ano passado e maio deste ano, mas decidiu antecipar a volta para março devido à crise do coronavírus.
Ela conta que recebeu o primeiro pagamento em novembro. Os valores correspondiam ao seguro-saúde, a um auxílio para instalação e às mensalidades dos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. "Recebi em reais, na conta do Banco do Brasil, referente à soma disso tudo em dólar", diz a pesquisadora, que pediu para não ser identificada. À época do recebimento, a cotação da moeda americana girava em torno de R$ 4,31.
A Capes nega e afirma que os pagamentos foram feitos em moeda estrangeira (o posicionamento completo da pasta está no fim deste texto).
"A gente recebia em reais na conta do Banco do Brasil e se virava para fazer a transferência para dólar. Sempre perdia alguma coisinha com taxas de conversão", relata. Ela afirma que, após chegar ao Brasil em março, recebeu a cobrança da devolução da bolsa correspondente ao mês de abril na cotação do início daquele mês, quando o câmbio já estava por volta de R$ 5,30.
"Eu recebi R$ 5.440,00 e estou tendo que devolver uns R$ 7.400,00", diz ela, que também reclama da demora em obter respostas por parte da Capes. "Tentei argumentar com meu técnico via Linha Direta [sistema de comunicação da Capes], mas não teve jeito. Mandei e-mail para o setor de contabilidade da Capes e apenas responderam que meu técnico sabe as regras."
Estudantes reclamam de câmbio "muito diferente"
Em uma carta conjunta elaborada por bolsistas de doutorado sanduíche que anteciparam a volta ao país devido à pandemia do coronavírus, os pesquisadores reclamam da cobrança em um câmbio "muito diferente" daquele em que foram feitos os depósitos pela Capes.
"As bolsas de abril foram depositadas em janeiro, momento em que o câmbio estava em torno de R$ 4,70 para 1 euro. A cotação atual ultrapassa os R$ 5,50 para cada euro. Seria injusto termos que devolver um montante que sequer chegamos a receber", diz o texto. A carta foi enviada pelos bolsistas à ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos) para que seja encaminhada para a Capes.
No documento, os pesquisadores relatam ainda que muitos dependem exclusivamente do recurso das bolsas de pós-graduação e já tinham comprometido parte desses valores com gastos de moradia, como caução e aluguéis antecipados -valores que não serão devolvidos por imobiliárias ou pelos proprietários de imóveis mesmo com a crise sanitária do coronavírus.
"Como exigir de pessoas, que em sua maioria vivem exclusivamente do recurso de bolsas de pós-graduação, o pagamento de um montante tão elevado para elas (ainda maior que o que vieram a receber, tendo em vista as variações do câmbio), em momento em que se encontram em situação de tamanha vulnerabilidade financeira?", diz o texto.
Dificuldades financeiras e bolsas no Brasil
A quitação dos valores com a Capes -isto é, a devolução dos valores correspondentes às bolsas dos meses posteriores ao retorno antecipado— é exigida pelo órgão para que as bolsas que os pesquisadores tinham no Brasil antes da ida ao exterior sejam novamente liberadas.
Agora, os pesquisadores temem ficar sem a renda das bolsas no país por não terem condições de arcar com a devolução dos valores que está sendo cobrada pela Capes.
Outra pesquisadora que estava nos Estados Unidos e antecipou a volta para o mês de março conta que tenta regularizar a sua situação para conseguir receber a bolsa no Brasil, mas que não tem recebido respostas da Capes.
"Essa falta de comunicação está me prejudicando muito, porque enquanto a Capes não encerrar o processo da [bolsa de doutorado] sanduíche, eu não consigo receber a minha bolsa no Brasil", diz ela. "Eu receberia no quinto dia útil de maio, mas pelo andar das coisas acho que isso não vai acontecer", lamenta.
O manual do bolsista da Capes diz que, no caso da bolsa de seis meses, "o pagamento será todo realizado diretamente em conta bancária do bolsista no Brasil".
Capes diz que o pagamento era feito em moeda estrangeira
Procurada pelo UOL, a Capes afirmou que " os bolsistas que estão no exterior recebem, antecipadamente e trimestralmente, na moeda daquele país e não em real".
O órgão também afirmou que "como regra do edital, eles precisam, se for o caso, devolver o recurso na moeda que receberam".
"A devolução de recursos sempre pode ter impacto no momento da flutuação cambial, é fato, entretanto, cabe destacar que os alunos que estão no exterior não recebem em real e sim na moeda do país. Além disso, existe a necessidade de se usar a mesma política para todos os bolsistas", diz a Capes em nota.
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