Desde o início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o Ministério da Educação (MEC) teve três chefes diferentes. Desde julho do ano passado, quem chefia a pasta é Milton Ribeiro, pastor e professor universitário. Com um perfil mais discreto do que seus antecessores, Ribeiro segue a mesma linha ideológica e a visão conservadora do presidente —e tem provocado mudanças profundas no ministério.
"Não temos mais dúvida que a visão de dentro é a visão do presidente da República, tanto é que as escolhas de ministros estão alinhadas. As decisões são influenciadas e aprovadas por ele", disse um servidor do MEC, que preferiu não se identificar.
Fontes ouvidas pela reportagem, todas na condição de anonimato, e que são ligadas ao ministério, afirmaram que Ribeiro tem a mesma postura ideológica que seu antecessor Abraham Weintraub —que comprava brigas nas redes sociais e saiu do cargo após prestar depoimento à Polícia Federal em dois inquéritos: sobre uma declaração direcionada ao STF (Supremo Tribunal Federal) e sobre uma publicação em que ironizou a China nas redes sociais.
Antes de Weintraub, o colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodriguez tinha passado pouco mais de três meses à frente do ministério. Tempo suficiente para tomar medidas polêmicas, como:
- Enviar às escolas um pedido para que alunos sejam gravados cantando o hino nacional, além de incluir a leitura de uma mensagem com o slogan eleitoral de Bolsonaro, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", e
- Suspender a avaliação de alfabetização naquele ano.
'Estamos perdendo', diz especialista
O atual ministro, no entanto, não é de se envolver em discussões públicas ou fazer barulho. Durante uma Comissão de Educação da Câmara no fim de março, Ribeiro, por exemplo, foi questionado diversas vezes sobre ditadura e o golpe militar de 1964 e fugiu das respostas em todas as ocasiões.
Para Priscila Cruz, presidente do movimento Todos pela Educação, o atual ministro "é pior que Weintraub".
O Weintraub brigou com todo mundo, desgastou o ministério, ganhou a militância, mas ficamos no zero a zero. Com o Milton, estamos tomando gol, estamos perdendo.
Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação
Como exemplo, Priscila cita:
- As mudanças recentes em cargos relevantes na pasta, e
- A intenção de revisar a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento que define a aprendizagem essencial na educação básica antes de 2026.
Fontes do MEC disseram que a mudança no método de alfabetização, o veto à diversidade no edital do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) e os erros no Fundeb (no começo do ano, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, de R$ 1,18 bilhão previsto, foram repassados R$ 766 milhões equivocadamente ao fundo) são alguns exemplos de que a "boiada está passando" —numa referência à frase emblemática do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial.
Recentemente, o UOL revelou uma conversa com Ribeiro, servidores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e o novo presidente da autarquia, Danilo Dupas. Durante a reunião, o ministro disse que a "política do MEC deve vir e tem que vir em consonância com a visão educacional, do projeto, do senhor presidente da República".
Para Priscila, essa fala e uma outra do ex-presidente da autarquia, Alexandre Lopes, que afirmou em entrevista ao jornal O Globo que Ribeiro foi "omisso no Enem", teriam derrubado qualquer ministro em outro país.
Chegada de coordenadora
Uma das mudanças polêmicas na gestão de Ribeiro foi a chegada de Sandra Ramos, nova coordenadora geral de materiais didáticos. A professora seria ligada ao movimento Escola Sem Partido e agora é responsável por definir os livros que chegam aos alunos de escolas públicas.
Para o ex-secretário de Educação Básica e especialista em políticas educacionais Cesar Callegari, o MEC, durante a gestão de Bolsonaro, "sempre foi tido como principal aparelho ideológico". O sociólogo avalia que a descontinuidade de políticas educacionais como as apontadas acima e mais recentemente os cortes nas verbas das universidades federais "têm sido uma doença crônica da educação brasileira".
O MEC usa o argumento da falta de dinheiro, claro que nesse momento temos dificuldades pela crise causada pela pandemia, mas a asfixia do ministério é em todos os sentidos.
Cesar Callegari, sociólogo
MEC é tido como o mais poderoso "reduto olavista"
Membros do MEC disseram que a pasta se divide entre olavistas —que seguem as ideias do escritor Olavo de Carvalho, um dos gurus do bolsonarismo— e os chamados "ultraconservadores". Segundo alguns servidores, por mais que existam pautas convergentes entre os dois fortes grupos, há uma diferenciação baseada no "fanatismo olavista".
Um servidor do alto escalão do ministério afirmou que a atuação do olavismo no ministério já foi maior, mas continua significativa. Atualmente, é limitada em algumas secretarias, sendo a Sealf (Secretaria de Alfabetização), sob a gestão de Carlos Nadalim, o maior reduto do grupo.
O último relatório da comissão de deputados que acompanha o MEC apontou que:
- Houve um aumento de 600% no número de militares dentro do órgão nos últimos dois anos;
- A pasta tem apenas 37% dos seus servidores em cargos estratégicos com alguma experiência em educação. Na gestão de Michel Temer, antecessor de Bolsonaro, a taxa era de 64%.
Para o presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, deputado professor Israel Batista (PV-DF), o governo muda o ministro, mas a ideologia continua a mesma —o que ele chamou de "apagão do MEC".
Infelizmente o MEC segue dando espaço para pautas mais relacionadas à emoção e esquece de priorizar as questões realmente estruturantes para educação brasileira, como o retorno seguro às aulas ou o investimento na conectividade para o acesso ao ensino.
Professor Israel Batista (PV-DF), deputado federal
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, ultimamente os olavistas perderam influência sobre o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e sobre o Inep —este, sob a influência da chamada "ala militar" do governo Bolsonaro.
O que diz o MEC
Procurado, o Ministério da Educação disse, em nota, que "não concorda com essa narrativa" e que sua atuação é técnica. "Atualmente, o corpo dirigente do MEC é formado por servidores de carreira e por especialistas em educação e gestão", diz o texto.
De acordo com a pasta, cerca de 80% dos cargos em "comissão estratégicos da pasta está constituído por servidores com vínculo efetivo com a administração pública".
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