Topo

Chefe de família, funcionária da UniverCidade diz: "Falta comida em casa"

"Faço serviços de costura e faxina. (...) Qualquer coisa ajuda a sobreviver", afirma Elizabeth Alves da Silva - Reprodução/Facebook
"Faço serviços de costura e faxina. (...) Qualquer coisa ajuda a sobreviver", afirma Elizabeth Alves da Silva Imagem: Reprodução/Facebook

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

03/02/2014 06h00

"Falta comida em casa para mim e minhas filhas. Estamos passando aperto mesmo". A frase da auxiliar de biblioteca Elizabeth Alves da Silva resume a situação financeira extremamente delicada que ela passou a viver após o fim da UniverCidade (Centro Universitário da Cidade), descredenciada em janeiro pelo MEC (Ministério da Educação).

Sem receber salários desde outubro, a moradora do bairro de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, passou a viver de bicos: "Faço serviços de costura e faxina. Se tiver que tomar conta de alguém, eu tomo. Qualquer coisa ajuda a sobreviver".

Elizabeth, responsável pelo sustento da casa, também não conseguiu concluir o curso de pedagogia na própria UniverCidade --ela e as duas filhas de 28 anos eram beneficiadas com bolsas de estudo integrais. "Faço um apelo para que o professor que orientou o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso] coloque no sistema as últimas notas. Faltava apenas confirmar a aprovação para começar a ver a Colação de Grau. Foram quatro anos de curso e agora eu não sei se vou ver o diploma", declarou.

SEM RUMO

Estou vivendo dia após dia sem saber do amanhã. Hoje eu posso até conseguir o que comer. Daqui a cinco minutos, não sei

Elizabeth Alves da Silva, funcionária e estudante da UniverCidade

As filhas também não puderam prosseguir nos cursos de desenho industrial e pedagogia, respectivamente. Elas estão apreensivas, segundo a mãe, à espera da decisão do MEC sobre uma eventual transferência para outras universidades. "São anos de estudo que podem não significar nada. O MEC não pensou nisso. Uma delas faz desenho industrial e estava no último ano. Agora não sabe se vai conseguir se formar", disse.

Cobranças

Para piorar, a funcionária da UniverCidade afirmou ter dívidas bancárias a pagar, o que faz com que os credores entrem em contato diariamente. "Eles não param de ligar", disse.

"Estava com empréstimo e cheque especial, e agora os bancos estão querendo saber como isso vai ser pago. Quando souberam do descredenciamento, eles entraram em contato comigo, mas até que o atendente foi muito gentil. Ele mesmo disse: 'É, está complicado para a senhora'. (...) São coisas que afetam o sistema nervoso", completou.

Segundo a auxiliar de biblioteca, além dos salários referentes ao período de outubro a janeiro, não foram pagos o décimo terceiro do ano passado e as férias relativas a 2012 e 2013. Ela estima um prejuízo de mais de R$ 5 mil

Outras histórias

  • Aluno terminou curso, passou na OAB, mas ainda está sem diploma

  • Apartamento de professor foi a leilão por falta de pagamento; docentes enfrentam dificuldades

  • "Para não passar fome", funcionário da Gama Filho vira ajudante de pedreiro

"Era a minha única fonte de renda. (...) Hoje não tenho dinheiro nem para pagar a passagem e ir à assembleia dos funcionários", comentou. Além das dívidas bancárias, Elizabeth também necessitou pedir dinheiro emprestado para a mãe e ao namorado.

Questionada se ainda tem esperança de um dia receber o dinheiro que lhe é devido, Elizabeth afirmou: "Não acredito nisso". 

Ceia de Natal colaborativa

A auxiliar de biblioteca relatou ao UOL só ter tido uma ceia natalina em 2013 graças ao auxílio de amigos e parentes.

"Natal e Ano Novo aqui foram um desastre. Só conseguimos fazer uma confraternização porque cada um trouxe uma coisa", disse.

Segundo ela, até o tradicional peru natalino trazido por um amigo. "Não fosse assim, a gente teria que passar o Natal fora de casa", finalizou.

Inspetora diz depender do marido

Colega de turma de Elizabeth no curso de Pedagogia, a inspetora de alunos Célia Nascimento também está sem receber salários desde outubro do ano passado, e diz depender do marido --que trabalha como cobrador de ônibus e ganha cerca de R$ 900-- para sobreviver: "Ele é o único que está trabalhando. É o meu único sustento agora".

Além da situação financeira extremamente delicada, Célia ainda viu o filho perder a bolsa de estudos na UniverCidade, onde ele cursava o quarto semestre de análise de sistemas. "Meu filho ganhou a bolsa por eu ser funcionária. Agora, não sei como dar a ele a chance de ser alguém na vida. Não temos dinheiro para pagar uma faculdade", disse ela, que mora em Realengo, na zona oeste do Rio.

UNIVERSITÁRIO PODE PERDER OPORTUNIDADE FORA DO PAÍS

  • O estudante de fisioterapia Victor Quartim Nobre avalia um paciente no setor de ortopedia da Gama Filho (Arquivo pessoal)

    O formando de fisioterapia Victor Quartim Nobre, 26, tem uma oportunidade de curso e de trabalho fora do Brasil. No entanto, pode ter seus planos cancelados se não conseguir pegar o diploma na UGF. O rapaz terminaria sua graduação em dezembro do ano passado e não sabe quando conseguirá obter o documento oficial. LEIA A REPORTAGEM

Célia se encontra em situação semelhante, pois cursava pedagogia na própria UniverCidade por meio de uma bolsa de estudos dada a funcionários. Ela estava no último período e precisava apenas da aprovação para dar início ao processo de obtenção do diploma.

Sem salário e sem diploma

  • Reprodução/Facebook

    Além de não receber desde outubro, Célia cursava pedagogia na UniverCidade por meio de uma bolsa de estudos e precisava apenas da aprovação para dar início ao processo de obtenção do diploma

"Nós, funcionários, estamos completamente abandonados. Eu estava no último período, faltava apenas a divulgação da nota para eu saber se iria me formar. Como vai ficar a minha situação? Eu vou ter que cursar outra faculdade? Fiquei sem salário e sem diploma", declarou ela.

A inspetora disse ainda não ter feito a conta de quanto tem a receber, porém afirmou que, além dos salários referentes ao período de outubro a janeiro, ainda há férias e décimo terceiro. Segundo ela, não está fácil conseguir um novo emprego.

"Todo dia eu coloco currículos na internet, mas é complicado. (...) Às vezes, surge um ou outro bico que me permite ajudar o meu marido. Mas é muito raro", desabafou Célia, que disse ainda já ter feito "bicos" passando roupas e fazendo faxina.