Filha de agricultores, sergipana de 26 anos fará pós-doutorado na França
Segunda filha de quatro mulheres de um casal de agricultores do povoado Açude da Marcela, zona rural do município de Itabaiana (a 52 quilômetros de Aracaju), Ana Maria Menezes, 26 , embarca este mês para Paris. Ex-aluna de escola pública, a estudante fará seu pós-doutorado em matemática na Universidade Marne-la-Vallée.
Ana Maria iniciou os estudos em uma escola municipal nas proximidades do povoado onde morava. No ensino fundamental, passou a estudar no Colégio Estadual Murilo Braga, onde conheceu o professor Milton, que a incentivou a entrar no mundo dos números. “Ele viu em mim uma criança estimulada, que gostava de estudar e que poderia seguir em frente”, disse. O professor foi além e conseguiu uma bolsa de estudo em uma escola particular da cidade, em que cursou o ensino médio.
“Eu sempre tive certa facilidade para a matemática. Com as aulas do professor Milton eu comecei a ver a beleza da matemática. As aulas desse professor eram esclarecedoras, ele explicava o porquê das coisas. Dava motivação ao estudo de um determinado assunto. A matemática é muito interessante porque você mesmo pode fazer as soluções e obter as respostas, é algo que pode ser muito divertido”, frisou.
Aos 17 anos, iniciou o curso de matemática na UFS (Universidade Federal de Sergipe), onde conheceu mais um incentivador dos seus estudos, o professor Valdenberg Araújo. O educador, que tem um projeto de preparar alunos para o mestrado, incluiu Ana Maria. “Entrei nesse projeto e, em paralelo à graduação, eu ia me preparando para fazer um mestrado”, lembrou.
Assim que concluiu a graduação, Ana Maria iniciou o mestrado em geometria diferencial na UFAL (Universidade Federal de Alagoas), por incentivo e apoio dos professores Marcos Petrúcio e Hilário Alencar. Foram eles os responsáveis por sua ida ao IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro em 2009. “Eu adiantei as disciplinas de mestrado na UFAL e eles decidiram que seria melhor para mim passar o segundo ano no IMPA”, disse.
Dedicada e aplicada, a jovem com apenas 22 anos chegou ao IMPA não apenas para fazer o mestrado como também começar a fazer disciplinas de doutorado. Retornou para UFAL, defendeu a dissertação do mestrado e, no ano seguinte, Ana Maria já estava retornando ao Rio de Janeiro para iniciar o doutorado.
Em agosto deste ano, sob a orientação do professor Harold Rosenberg, a itabaianense do povoado Açude da Marcela alcançava o título de doutorado com o conceito “A”. Parou por aí? De jeito nenhum, Ana Maria segue agora para o pós-doutorado na França.
Ensino da matemática
Para Ana Maria, a matemática “assusta” as crianças porque não é explicada de maneira adequada.
Ela vai além, para ensinar a matemática tem que gostar dela. “Essa é uma questão complicada (risos). Tem uma área de pesquisa voltada justamente para esse problema, que é a educação matemática. Eu não sou especialista no assunto, mas, por experiência própria, acredito que primeiro o professor de matemática tem que gostar do que faz, se o próprio professor não mostrar entusiasmo pela disciplina vai ser muito difícil conquistar o interesse do aluno”, afirmou.
“Eu diria que o professor deve procurar explicar mais o porquê das coisas, uma aula que só tem formulas e o aluno tem que ficar resolvendo um monte de equações sem entender o porquê daquilo é realmente desinteressante, a aula fica chata. O professor precisa motivar o aluno, e isso vale para qualquer disciplina: matemática, história, física... sem motivação tudo fica mais difícil”, alertou.
Família
Os pais de Ana Maria, apesar das dificuldades iniciais para sustentar as filhas, nunca deixaram que elas largassem os estudos para ajudá-los na vida do campo. “Nós morávamos num sítio no povoado Marcela, e lá eles cultivavam legumes e verduras... viviam disso”, recorda. Aos 11 anos, por causa da insegurança na localidade, mudou-se com a família para zona urbana de Itabaiana, onde os pais abriram uma mercearia e sobrevivem desse comércio até hoje.
“Eles não permitiram que a gente trabalhasse, diziam que estudar era o único meio de se vencer na vida. Eles trabalhavam de dia e à noite para nunca faltar nada, e permitir que a gente se dedicasse aos estudos. Eu ajudava em pouquíssimas coisas, eles realmente não queriam que a gente tirasse o foco dos estudos”, disse a doutora Ana Maria.
Os pais não tiveram condições de estudar, moravam em um povoado distante sem transporte para a área urbana, pararam os estudos na 4ª série do ensino fundamental.
Além de Ana Maria, outras duas irmãs já estão graduadas: Vilma é mestre em química, Aline é engenheira química. A caçula, Beatriz, está cursando o terceiro ano do ensino médio e pensa em fazer carreira na área da saúde.
Casada com o também matemático Fernando Codá Marques, 33, que ano que vem deverá concorrer à Medalha Fields, considerado o equivalente ao Nobel da matemática, Ana Maria garante que em casa não se discute soluções matemáticas.
“O meu marido é um matemático já conhecido internacionalmente, tem dez anos de pesquisa aqui no Brasil, então eu que sou apenas uma iniciante e não gosto muito de discutir matemática com ele, acho que fica um pouco desleal”, brincou.
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