REDAÇÕES CORRIGIDAS - Junho/2017 Internação compulsória de dependentes de crack
A dependência também é compulsória
O costumeiro descaso dos governos, independentemente de esferas ou de partidos, é o responsável pelo surgimento e expansão das cracolândias de São Paulo e de outras capitais do Brasil. Não só não se fez nada para combater o problema em suas origens, como se foi, posteriormente, “empurrando com a barriga”, provavelmente porque as diversas administrações paulistas e paulistanas acreditavam que aquela área decadente da cidade jamais viria a prejudicá-los na hora de pedir votos para se eleger. Houve até prefeito que tentou se capitalizar politicamente com aquela versão tupiniquim do inferno, acolhendo de braços abertos os dependentes de crack e até lhes dando uns trocados para sustentarem o pobre do vício, que viria da exclusão social e demais maldades intrínsecas ao capitalismo.
Desse modo, a cracolândia, que já ia de vento em popa sem a colaboração municipal, tornou-se ainda maior e se transformou numa espécie de Galeria Pajé dos psicotrópicos, reunindo consumidores e fornecedores a céu aberto, 24 horas por dia, sete dias por semana. Afinal, varrido em primeiro turno o prefeito anterior de Piratininga, complacente e solidário com a toxicodependência, uma intervenção de fato só acabou por acontecer no início da administração João Dória, com uma ação policial para reprimir os traficantes da área, ordenada pelo governador do Estado, que aparentemente não a comunicou ao novo prefeito, de seu mesmo partido, o PSDB, contumaz protagonista de vacilações e trapalhadas.
Não há dúvida de que a operação não surtiu o efeito desejado: a retomada pelo poder público da região privatizada por traficantes e drogados. Pior, ainda teve diversos efeitos colaterais, como espalhar os dependentes e seus fornecedores por outros locais do centro da cidade, para não falar do surgimento de movimentos e manifestações de protesto contra o governo tucano, capitaneadas por Organizações Não Governamentais (paradoxalmente sustentadas por verbas públicas), ligadas a partidos políticos ou à máfia dos autodenominados sem-teto.
Pois bem, as críticas ao prefeito de São Paulo – teleguiadas por todos sabem quem – obtiveram forte eco nos meios de comunicação, que procuraram declarações de especialistas e até de dependentes completamente “chapados” para reiterá-las e condenar a iniciativa, com a mesma veemência com que aplaudiam a ação deletéria da gestão anterior. No cerne dessas críticas, estava o pedido de autorização judicial para o estado e o município poderem internar compulsoriamente as pessoas que já se transformaram em verdadeiros zumbis, dados os danos causados ao cérebro pelo crack, o que lhes abortou há muito tempo o livre-arbítrio. O argumento essencial contrário à compulsoriedade é muito simples: alega-se que ele atenta contra a liberdade do cidadão, além de ser ineficiente, ao contrário das internações voluntárias – essas, sim, o caminho lúcido para o paraíso da sobriedade.
Ora, se o problema é o fato de a internação ser compulsória, se o que está em pauta é a compulsão propriamente dita, há um argumento irrefutável para desmascarar esses supostos campeões da liberdade e dos direitos humanos: o próprio consumo de crack por essas pessoas também é compulsório. É compulsivamente que eles se entregam ao vício e não por vontade própria, o que qualquer psiquiatra com um mínimo de honestidade deveria atestar. Além disso, uma internação compulsória é certamente menos cruel do que a compulsão pela ingestão do entorpecente, porque em vez de manter os adictos na situação degradada e desumana em que vivem, visa livrá-los da escravidão, do cativeiro em que se enfiaram até certo ponto por conta própria, mas do qual jamais se libertarão por sua própria vontade. Simples assim.
Comentário geral
Concorde-se ou não com a análise que o autor faz dos fatos, o texto é muito bom e merece a nota máxima. É bastante provável que não tenha sido escrito por um estudante do ensino médio, mas por algum adulto com domínio da norma culta e da argumentação, bem como do uso da ironia. Talvez, ainda que sorteada, ela não devesse ser publicada e comentada, por não ter sido feita por alguém do público a que se destina o Banco de Redações. Contudo, não há como averiguar essa conjectura, uma vez que nossa equipe tentou entrar em contato com o autor pelo e-mail através do qual ele nos enviou sua redação, mas não obteve resposta até o momento da publicação. Por outro lado, o texto é exemplar no que se refere a uma dissertação argumentativa e bem pode esclarecer aos usuários do Banco como se deve redigi-las. Claro, não se espera do estudante do ensino médio o mesmo desempenho com a linguagem e o estilo. O importante é notar o caráter dissertativo e argumentativo do texto: nos dois primeiros parágrafos, o autor introduziu o tema e o analisou de acordo com sua perspectiva irônica e crítica. Nos dois parágrafos seguintes, expôs o seu ponto de vista sobre as críticas feitas à ação do governo do estado e da prefeitura, bem como sobre seus desdobramentos. Concluiu com um argumento sólido, ainda que discutível, a favor da internação compulsória, pois a argumentação, embora deva seguir uma orientação lógica, não pode produzir a certeza indiscutível de uma operação matemática.
Competências avaliadas
As notas são definidas segundo os critérios da pontuação do MEC
Redações corrigidas
Os textos desse bloco foram elaborados por internautas que desenvolveram a proposta apresentada pelo UOL para este mês. A seleção e avaliação foi feita por uma equipe de professores associada ao Banco de redações.
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