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Priscila Cruz


Priscila Cruz

Desigualdade racial: o fim dela começa na Educação

3.out.2017 - No Estado de SP, 1 em cada 4 BOs de intolerância no Estado de SP é por preconceito racial - Getty Images/iStockphoto
3.out.2017 - No Estado de SP, 1 em cada 4 BOs de intolerância no Estado de SP é por preconceito racial Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colaboração para o UOL

28/11/2018 14h07

Inúmeras tensões raciais e sociais ainda persistem desde a abolição da escravatura e, a cada mês da Consciência Negra, precisamos problematizar e evidenciar o assunto. Essas desigualdades extrapolam as relações privadas e manifestam-se de maneira contundente nos indicadores sociais, inclusive na Educação. De acordo com levantamento do Todos Pela Educação, enquanto 76% dos jovens brancos entre 15 e 17 anos estão matriculados no Ensino Médio, esse número cai para 62% entre a população preta – uma diferença de 14 pontos percentuais (p.p.). Ou seja, uma proporção maior de negros está em situação de atraso escolar (matriculado na série inadequada para sua idade) ou fora da escola.

Embora as condições socioeconômicas expliquem parte desse cenário, os dados mostram que a desigualdade racial na Educação resiste mesmo entre os negros com maior renda, embora com menos intensidade. Entre os 25% mais ricos do Brasil, a população negra permanece atrás na proporção de matrículas na etapa adequada: essa taxa é de 86,2% entre os negros, contra 91,9% entre os brancos.

A sobreposição de vulnerabilidades dessa população aparece também na quantidade de jovens fora da escola, na qual constituem maior número. Entre os jovens de 15 a 17 anos brancos, 7,2% não frequentam a escola; essa taxa é de 10,2% entre os pardos e de 11,6% entre os pretos da mesma faixa etária.

Essa desigualdade presente nas escolas reforça a que se manifesta fora dela. Os  pardos e pretos  formam a população com os maiores indicadores de vulnerabilidade social: eles são maioria entre a população carcerária, os mais pobres e as vítimas de homicídio. Por que tamanha exclusão de direitos persiste?

Para responder a isso, voltemos a nossa história. Muita gente não sabe, mas o Brasil foi o país ocidental que recebeu o maior número de pessoas na condição de escravos entre os séculos XVIII e XIX. De acordo com as informações do Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos, da Universidade Emory, nos Estados Unidos, 4,8 milhões de negros sobreviventes dos navios negreiros desembarcaram por aqui – contra 450 mil em terras norte-americanas, como conta o historiador e especialista em culturas afro-americanas Henry Louis Gates Jr., da Universidade de Harvard, também nos Estados Unidos, no livro “Os Negros na América Latina” (Editora Cia das Letras, 2014).

O Brasil foi também o que mais demorou a reconhecer a incompatibilidade entre os direitos fundamentais do homem e a escravidão e, finalmente, a abolir a escravatura – 96 anos após a Dinamarca, por exemplo. Apesar disso, foi também o mais rápido a se declarar um país “sem racismo”, por meio de obras e pensadores que defendiam uma nação miscigenada e integrada. Quanta contradição, não? Nossa situação atual mostra um quadro muito diferente disso. Falhamos na inclusão dos negros após a abolição e, hoje, avançamos muito lentamente nesse aspecto: persistimos no erro ao negar que os segmentos populacionais com os maiores desafios requerem incentivos à altura.

A questão é especialmente relevante na Educação: o ensino deve ser um instrumento para enfraquecer as desigualdades e não as reforçar. Mudar essa situação não pode ficar apenas no plano da consciência individual. O problema demanda um olhar cuidadoso para as diferentes trajetórias escolares e de vida entre os negros e exige o compromisso ético na elaboração de iniciativas de larga escala, como políticas públicas afirmativas, que impulsionem os que mais precisam de apoio para aprender.

Algumas práticas nesse sentido já vêm sendo comprovadas por pesquisas mundo afora e indicam alguns caminhos. O investimento educacional, por exemplo, precisa ser recalibrado para contemplar as necessidades das escolas que atendem os estudantes mais vulneráveis – o que impactará na vidas das crianças e jovens negros.

Outro ponto importante é garantir que as instituições escolares ofereçam referências positivas para as juventudes negras e pobres, por meio de conteúdos, materiais didáticos, debates e parcerias com instituições que mostrem que a Educação é o caminho para transformar realidades vulneráveis. Nesse sentido, o Brasil já deu o primeiro passo ao aprovar, em 2003, a Lei 10.639, que estabelece o estudo obrigatório da participação dos negros na formação de nossa sociedade, bem como a valorização da cultura e história africanas. Mas ainda é preciso insistir na efetivação da lei em todas as escolas.

Nada disso será eficaz, contudo, sem professores preparados. Aí está a urgência de se investir em uma formação docente que prepare os educadores para a diversidade, dando-lhes as ferramentas para fortalecer a autoestima dos estudantes e combater e prevenir o racismo dentro das escolas. As próximas gestões educacionais têm pela frente, entre tantos desafios, este: o de eliminar a desigualdade racial na Educação brasileira.

Priscila Cruz