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Priscila Cruz


Priscila Cruz

Valorizar a vida de todos - isso também é papel da Educação

20.mar.2018 - Cartaz com dizeres "Muitas Marielles nascerão" durante ato que marca o sétimo dia de morte da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro - Jose Lucena/Futura Press/Folhapress
20.mar.2018 - Cartaz com dizeres "Muitas Marielles nascerão" durante ato que marca o sétimo dia de morte da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro Imagem: Jose Lucena/Futura Press/Folhapress

21/03/2018 04h00

Não precisamos recorrer a nenhum exercício de imaginação para saber o que é sentir medo. Muitos brasileiros sentem frio na espinha ao sair e voltar para casa, como relatou a ativista Buba Aguiar, do coletivo Fala Akari, moradora de uma das favelas mais violentas do Rio que vive uma guerra sem vitoriosos.

A mesma favela em que cresceu Marielle Franco, vereadora do PSOL, assassinada na última semana junto com o motorista Anderson Pedro Gomes. O homicídio da militante dos direitos humanos simboliza duas coisas: um atentado à democracia, devido à trajetória de Marielle; e também a morte de muitos outros moradores das periferias brasileiras, como o próprio Anderson. É importante que se diga “periferias” no plural, pois esse medo não é exclusividade dos fluminenses. Em Sergipe, três pessoas são assassinadas por dia, segundo o Atlas da Violência 2017.

Impactados pelo risco constante (somos os campeões mundiais em homicídio por arma de fogo), estamos cristalizando cada dia mais a linguagem da violência; uma maneira de relacionar-se com o outro (na vida privada e pública) que vê a agressão como meio não apenas legítimo, senão também desejável. Um fogo contra fogo que, como se poderia imaginar, tem resultado em um grande incêndio que afeta todos nós.

É por esse fogo cruzado que nossa Educação tem sido atravessada. Realidade que para muitos começa dentro da própria casa com suas mães sendo agredidas (uma em cada 100 mulheres brasileiras vai à Justiça contra violência doméstica). Na escola, mais violência. Os conflitos no ambiente escolar são uma das causas que mais preocupam os educadores e os próprios estudantes.

Como estancar esse ciclo de morte, se nem os docentes escapam dos ferimentos deliberados? Na última semana, assistimos abismados à agressão a professores durante uma manifestação na Câmara dos Vereadores de São Paulo, contra a reforma da previdência dos servidores municipais. O sangue ali derramado não é um acaso, é uma das consequências de como tratamos os professores, em completa oposição à necessária e urgente valorização desses profissionais. Lembrando sempre que Educação é conhecimento, são valores, é pôr em marcha a construção de um País melhor para todos.

Essa contradição entre violência e Educação está pelo mundo todo. Ao sugerir que seria uma boa ideia os professores receberem armas para “proteger seus alunos” (como se as tragédias já não fossem o suficiente), Donald Trump, presidente norte-americano, recebeu em resposta uma inspiradora campanha de educadores que pediam, por meio das redes sociais, que ele os armasse, sim, mas com livros, mais tempo, mais verbas, entre outras necessidades.

E eles têm razão: é hora de armar-se de oportunidades iguais, de soluções que evitem as armas. É urgente que a violência repressiva dê espaço à prevenção, à convivência das divergências nos debates, à defesa de uma vida com dignidade para todos. Mas é impossível criar esse mundo, se o que as crianças e jovens presenciam é a linguagem da agressão, inclusive contra os professores.

Não podemos pensar o ensino separado da valorização e integridade de qualquer vida, isso seria tudo, menos Educação. Da mesma maneira, não podemos falar de incentivo aos estudos, da importância do saber e, ao mesmo tempo, agredir os líderes da aprendizagem.


Há anos o País luta, sem sucesso, contra a violência; é mais do que tempo de tentar alternativas que não reduzam o fenômeno a mais violência, mas atente para sua complexidade, como apontou Ilona Szabo, Diretora-Executiva do Instituto Igarapé e especialista em segurança pública.

Essas novas saídas são impensáveis sem priorizar os professores e o Ensino Público. Temos de defender com todas as forças (ou com as que nos restam) uma Educação baseada nos direitos humanos para todos. Infelizmente ainda pensamos os direitos fundamentais como um “tapa buraco” - em vez de garanti-los para que nenhuma violência aconteça, somos obrigados a usá-los para impedir casos de crueldade total.

Devemos aceitar apenas uma morte, a da desigualdade. Vale a pena citar novamente Szabo: “a violência tem endereço. Dependendo do seu CEP de nascimento e da cor da sua pele, suas chances de ser preso, viver ou morrer são maiores ou menores.” Precisamos educar nossas crianças pretas, brancas, pobres e ricas para hackear esse destino anunciado.

Isso passa por defender uma Educação para uma cidadania crítica e, acima de tudo, para formar adultos que respeitem a vida de todos (inclusive sua própria); cidadãos que encontrem novas soluções de paz para os dilemas sociais, que valorizem o diálogo, a diversidade, o olho no olho; adultos que baixem as armas.

Priscila Cruz