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Priscila Cruz


Priscila Cruz

As meninas-mães brasileiras

Campanha Reduca 2016/D4G
Imagem: Campanha Reduca 2016/D4G

12/04/2017 04h00

Acho que quase todo mundo teve uma amiga ou colega que acabou engravidando durante o período de escola. Ou pelo menos tem alguém na família, uma vizinha ou algum conhecido cuja filha teve um bebê precocemente. Quando paramos para pensar, o tema até parece banal.

O Brasil tem hoje cerca de 2,5 milhões de crianças e jovens entre 4 e 17 anos fora da escola --justamente a faixa etária em que a matrícula é obrigatória por lei. O número, que equivale à população de Brasília (DF), esconde um universo de desigualdades de classe social, gênero, raça e local de residência que afetam o acesso ao sistema de ensino.

As meninas e adolescentes grávidas fazem parte desse grupo. Dados tabulados pelo Todos Pela Educação mostram que, dentre as meninas de 10 a 17 anos que deixaram de frequentar a sala de aula em 2015, 31,1% já tinham filhos --um total de 259.733 meninas-mães sem matrícula.

Ou seja: temos esse contingente de garotas desempenhando o papel de mãe e arcando com a responsabilidade enorme de criar um filho, sendo que muitas ainda são crianças. É preciso lembrar que provavelmente a maioria dessas gestações não foram planejadas e podem ser consequência de violência sexual, abuso infantil ou casamentos precoces e forçados --comuns em regiões mais pobres do país.

Os impactos de engravidar na adolescência são diversos. Pesquisas mostram o alto risco desse tipo de gravidez e a necessidade de um acompanhamento rigoroso que vise prevenir as possíveis complicações na hora do parto ou advindas de abortos espontâneos.

Além de afetar a saúde, ter um filho precocemente pode mudar os rumos escolares e profissionais dessas meninas. Cuidar de um bebê e dar conta dos estudos é uma tarefa quase impossível para muitas delas.

Os dados mostram que, atualmente, 57,2% das meninas entre 10 e 17 anos com filhos não trabalham nem estudam. A porcentagem vem regredindo na última década, já que em 2005 elas eram 61%. A título de comparação, entre as garotas da mesma faixa etária sem filhos, a maioria apenas estuda: 89%.

Excluídas da escola e com um ou já mais filhos para cuidar, essas garotas ajudam a dar continuidade a um ciclo de desigualdades inúmeras, com ênfase na socioeconômica.

Um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), braço da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por questões populacionais, mostrou no ano passado como a idade de 10 anos é uma das mais importantes no que tange ao desenvolvimento das meninas, já que se trata da entrada na adolescência --um período de vulnerabilidade, que deveria ser cercado de cuidados com a saúde e o bem-estar físico e psicológico.

A organização, cujo lema é “Criando um mundo onde cada gravidez seja desejada, cada parto seja seguro e o potencial de cada jovem seja realizado”, ainda mostra que 62 milhões de meninas adolescentes estão fora da escola em todo o mundo. De acordo com a entidade, “quando uma menina deixa de ser matriculada ou é tirada da escola, seus direitos são violados e suas opções de futuro, reduzidas”.

Também não podemos nos esquecer da necessidade de discutir esse tema nas escolas. A informação é a base da prevenção. Muitos pré-adolescentes não têm esse tipo de diálogo em casa, o que torna a escola o único local capaz de tirar dúvidas sobre esse tema.

Além da prevenção, precisamos fazer com que essas meninas que engravidaram voltem ao sistema de ensino, para que completem os estudos e tenham uma vida digna. A volta de uma mãe adolescente aos estudos depende de políticas intersetoriais que amarrem educação, saúde e serviço social em um tripé bem consolidado no que tange à assistência da jovem e do bebê.

Saiba mais sobre o levantamento do TPE a respeito das crianças e jovens fora da escola aqui: http://zip.net/brtHwV, e veja o estudo do UNFPA aqui: http://zip.net/brtHxc (links encurtados e seguros).

Priscila Cruz