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Priscila Cruz


Priscila Cruz

Professores preparados, professores bem formados

João Bittar
Imagem: João Bittar

25/10/2017 04h00

É comum ouvirmos por aí que ninguém sai da faculdade realmente preparado para atuar na carreira escolhida. Até porque continuamos sempre aprendendo e nos preparando para atuar melhor na área que escolhemos – aquilo que chamamos de desenvolvimento profissional continuado ou contínuo.

Mesmo levando isso em consideração, a distância entre o mercado de trabalho e a formação é grande demais na profissão de professor no Brasil – a principal profissão do país. Temos um abismo largo e profundo nesse sentido. Na sua formação inicial, os futuros professores têm pouquíssimas oportunidades de refletir sobre a prática docente à luz da teoria e dos estudos recentes em didática. O resultado são os frequentes depoimentos de docentes iniciantes afirmando sentir-se incapazes, com angústia e ansiedade ao lidarem com suas turmas.

Como sabemos, esse problema não é novo na Educação brasileira. A pesquisa “Formação de Professores no Brasil – Diagnóstico, agenda de políticas e estratégias para a mudança”, lançada em 2016, contribuiu para revelar esse cenário quase estático. Coordenado pelo professor Fernando Luiz Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o estudo fez uma revisão bibliográfica da questão, apontando para um panorama com diversos problemas, tais como a falta de abordagem didática nos currículos dos cursos de Pedagogia/Licenciatura e a urgência de fazer as universidades, as redes de ensino e as escolas integrar-se no que o autor denominou como “tripé formativo”.

Como possíveis soluções para o quadro, Abrucio sugeria, além de mudanças nos currículos dos cursos de formação, a adoção de políticas públicas que focassem em estágios e residências pedagógicas, de modo a inserir o jovem professor na realidade escolar desde cedo.

Nesse sentido, o lançamento da Política Nacional de Formação de Professores na semana passada é positivo por trazer a questão docente para o centro do debate educacional novamente. A ideia do Ministério da Educação (MEC) é criar uma Base Nacional Docente e ofertar um Programa de Residência Pedagógica, entre outras ações. No caso da última, opção apontada também por Abrucio, o governo afirma que pretende modernizar o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e iniciar a formação em serviço dos alunos ao longo do curso superior, além de estabelecer convênios entre redes de ensino e instituições formadoras e avaliar os estudantes/futuros professores periodicamente.

O programa do ministério, no entanto, não toca em pontos-chaves, como a atratividade da carreira e a valorização do docente. A Finlândia, não por acaso considerada como um dos melhores sistemas educacionais do mundo no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), é um exemplo nesse quesito. No país escandinavo, a profissão de professor é extremamente popular e bastante concorrida, atraindo muitos candidatos para as universidades. É comum ler que o segredo dos professores finlandeses é a autonomia para ensinar – e basta pesquisar um pouquinho para perceber que essa característica tem tudo a ver com o alto nível de formação deles. Segundo a Finnish National Agency for Education, todos os professores da Educação Básica têm mestrado.

A relação entre boa formação docente e desempenho dos alunos não aparece só nas notas da Finlândia nos testes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE). Outras pesquisas mostram o mesmo – é o caso de um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Stanford que analisou o impacto dos professores na qualidade educacional. Entre os fatores levados em conta pela pesquisadora Raquel Rangel, a formação do docente e a forma de contratação deste (como os concursos, por exemplo) são os que mais trazem efeitos para a aprendizagem dos estudantes.

Dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2015 vão na mesma direção: as escolas estaduais com as melhores médias em matemática naquele ano tinham mais da metade dos docentes formados na área.

No Brasil, quando observamos a atratividade da carreira, a situação é inversa se compararmo-nos aos finlandeses – e, por isso, alarmante. Levantamento do Todos Pela Educação divulgado recentemente com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelou que a cada 100 jovens que ingressam nos cursos de Pedagogia/Licenciatura, somente 51 terminam a faculdade e apenas 27 querem seguir a carreira docente. Ou seja: se a profissão docente não for atraente, não faz sentido modificar a formação. Já faltam professores hoje e o risco de um apagão docente não é pequeno, como já discutimos aqui.

Elevar a qualidade da formação docente é uma das questões mais urgentes da nossa Educação. E isso vai além de simplesmente oferecer-lhes nível superior – considerando que, dentre os 2,1 milhões de professores lecionando no país, mais de 488 mil têm apenas o Ensino Médio e cerca de 6 mil só cursaram o Ensino Fundamental, segundo dados do MEC. É preciso também que o professor trabalhe na área em que foi formado, uma vez que dados recentes do Censo Escolar revelam que somente 45,9% dos docentes dos anos finais do Ensino Fundamental e 53,8% dos docentes do Ensino Médio têm a formação adequada nas disciplinas que lecionam no dia a dia. 

Uma formação de qualidade, que faça com que o professor ingresse na escola com segurança do que vai ensinar e de como vai ensinar, é o mínimo que podemos oferecer para o profissional responsável por todas as outras profissões e, consequentemente, pelo futuro de um País que nunca precisou tanto repensar o seu futuro.

Com a colaboração de Mariana Mandelli

Priscila Cruz