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Priscila Cruz


Priscila Cruz

Um país de contradições

Elza Fiuza/Agência Brasil
Imagem: Elza Fiuza/Agência Brasil

27/09/2017 04h00

Das alcunhas do Brasil, talvez a mais famosa seja "país do futebol", que se mantém mesmo após o inesquecível, e amargo, 7x1. Também somos lembrados mundialmente pelo samba e pela festa linda que fazemos no Carnaval todos os anos.

Para além das nossas principais manifestações culturais, podemos dar outro apelido, por assim dizer, para o Brasil: país das contradições. A última edição do relatório Education at Glance é mais uma prova disso. Produzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com dados de 45 países, o documento traz informações diversas dos sistemas educacionais, permitindo um quadro comparativo entre nações e retratos focados de cada uma delas.

O caso do Brasil, como não poderia deixar de ser, é peculiar. A começar pela questão docente: temos, segundo o relatório, a terceira maior taxa de opção por Pedagogia entre os alunos que estão no ensino superior, chegando a 20% das matrículas. Nesse quesito, somos superados apenas pela Costa Rica (22%) e Indonésia (28%). Se há tanto interesse pela carreira docente assim, isso significa que os professores têm boas condições de trabalho e são valorizados socialmente, certo? Errado. É quase inacreditável, mas entre os países analisados, os docentes brasileiros ainda recebem entre 78% e 94% do salário de outros profissionais com formação superior e que trabalham em tempo integral. Isso sem contar questões latentes de infraestrutura, como salas superlotadas, e até mesmo situações de violência moral e física, como vimos na coluna passada.

A OCDE também traz outro dado importante: a porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) que o Brasil investe em educação (4,9%) é próxima da taxa média (5,2%) dos outros países analisados no relatório - o que por si só já é uma contradição se pensarmos na baixa qualidade do ensino que ofertamos. Mas não é só isso! Apesar de estarmos no mesmo patamar de investimento na área de países mais desenvolvidos, nosso gasto por aluno da educação secundária (anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio) ainda está abaixo dos demais: ao ano, investimos US$ 3.837, ao passo que a média do relatório é de US$ 10.106.

Outra informação do Education at Glance a ser considerada é que pouco mais da metade da população brasileira entre 25 e 64 anos não tinha completado o ensino médio em 2015 – para os demais países participantes do relatório, a média é de 22%. No entanto, o documento confirma aquilo que já sabemos: quanto mais escolarizado for o cidadão brasileiro, maiores as chances de se obter um bom salário, chances mais altas que nos outros 44 países participantes.

Todos esses dados não são novidades. Mas quando paramos para pensar fora da caixa da educação e observamos outros dados sobre as desigualdades brasileiras, chegamos à conclusão de que os resultados do Education at Glance são reflexos deles. Afinal, como esperar algo diferente de um país onde a desigualdade de renda não recuou nos últimos 15 anos? Um estudo do instituto World Wealth and Income Database mostra que, entre 2001 e 2015, os 10% mais ricos da população brasileira elevaram a sua porcentagem da renda do país de 54% para 55%. Já entre os 50% mais pobres, a taxa foi de 11% para 12%. Dados como esses não podem estar desconectados dos anteriores. Estamos falando do mesmo país, da mesma população. Da vida das mesmas pessoas.

Chegamos a um ponto onde não há mais como se discutir desigualdade sem colocarmos a educação nesse debate. As contradições do nosso sistema de ensino são as contradições do Brasil. Poucos com muito, muitos com pouco. A conta do desenvolvimento não fecha. Nessa matemática das contradições, precisamos encarar, de uma vez por todas, que o denominador comum das nossas desigualdades é a educação: é por meio dela que garantiremos um país equânime e justo.

Com a colaboração de Mariana Mandelli
 

 

Priscila Cruz