Professor não tem que ser nem vítima nem herói
Escolas com infraestrutura ruim, formação inicial que não prepara para a realidade da sala de aula, formação continuada pífia, rotinas desgastantes, falta de valorização da educação por pais e alunos. Na última coluna, falamos sobre a dificuldade de atrair jovens para a carreira docente, o que compromete o futuro da educação brasileira e do próprio país, e de como esse não é um problema que afeta apenas o Brasil, uma vez que a Inglaterra, por exemplo, vem passando por crise semelhante.
Discutimos, claro, a dimensão salarial como um dos maiores entraves para seduzir jovens que queiram se dedicar à docência. Hoje, quero falar daqueles que estão na profissão e têm que lidar, dia após dia, com condições bastante adversas para seguirem na carreira – condições essas que extrapolam os ganhos financeiros.
Em 2014, a Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizado (Teaching and Learning International Survey – Talis), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou que apenas 40% dos professores brasileiros do ensino fundamental trabalham em regime de dedicação exclusiva --porcentagem bem abaixo da média dos outros países, que era de 82%.
O Brasil é o último colocado, sendo a Coreia do Sul, com 99,3%, o primeiro. Além disso, nossos docentes estão entre aqueles que mais gastam as suas horas semanais em sala de aula: enquanto nos outros países essa média é de 19 horas, aqui chega a 25 horas. Nossa taxa é 24% maior do que a dos outros trinta países participantes da Talis. O estudo contabilizou dados de 100 mil professores.
A mesma pesquisa também mostrou que os docentes brasileiros estão entre os que mais se deparam com questões de indisciplina e violência no contexto escolar. Das 34 nações participantes da Talis, apenas no Brasil, no México e na Malásia foi registrada uma taxa superior a 10% de diretores que vivenciam casos de roubo e depredação semanalmente em suas unidades de ensino.
Além disso, o docente brasileiro investe 20% do seu tempo em sala de aula tentando manter a ordem entre os alunos, taxa bastante acima do índice dos outros países, que é de 13%.
Nesse contexto de estresse e fadiga, muitos adoecem. O absenteísmo docente é uma questão seríssima em praticamente todas as redes de ensino do país. Um estudo realizado em três Estados (Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e no Distrito Federal pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad) revelou, em 2014, a ligação entre condições de trabalho e saúde docente.
Entre as quatro unidades da federação analisadas, as secretarias de Educação registraram o maior índice de servidores afastados por doença em Santa Catarina e no Distrito Federal --neste, 58% dos trabalhadores da área afastaram-se de suas funções pelo menos uma vez no período de um ano.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) apresentou, em 2012, a pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, realizada com quase 9.000 professores. Entre os resultados, o estudo constatou que inflamações das vias respiratórias (17,4%), doenças psicológicas como depressão e síndrome do pânico (14,3%) e estresse (11,7%) estão entre as mazelas que mais afetam os docentes das redes públicas brasileiras.
Fora do Brasil, o problema não é diferente. Vejamos novamente o caso do Reino Unido: no ano passado, um estudo da Nasuwt Teachers’ Union apontou que 67% dos professores afirmaram que o trabalho afetou de forma negativa sua saúde mental ou física. O relatório ainda aponta que, para solucionar o problema, será necessário 1 bilhão de libras.
Some-se a tudo isso os vínculos precários de trabalho, que ultrapassam a dimensão salarial. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em 2014 mostrou que 450 mil professores eram terceirizados ou tinham contrato temporário com as redes públicas de ensino em que atuavam, total que representa um quarto dos docentes que atuam nessas redes.
Os dados ainda revelavam que, no caso do Ensino Médio, o quadro de precarização do trabalho docente era ainda mais grave, chegando a 30% dos profissionais, porcentagem que se elevava quando observadas as disciplinas de exatas como física: 40%.
Em suma, todas essas informações ajudam a compor --sem esgotar-- o complexo quadro da questão docente no Brasil. Está mais do que claro que temos problemas latentes para trazer mais jovens para a docência, mas também precisamos nos preocupar em manter aqueles, jovens ou não, que já a escolheram.
São eles que, com seu trabalho diário, alfabetizam, ensinam, explicam, elucidam, debatem e mostram a crianças e jovens como é e como pode ser o mundo em que vivemos. Professor não é vítima nem herói. A profissão de professor é que abre as portas para todas as outras, e deve ter as condições adequadas para que seja exercida com dedicação, iniciativa e disposição.
*Com a colaboração de Mariana Mandelli
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