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Priscila Cruz


Priscila Cruz

Sem mágica: derrotando os gigantes que atrapalham a Educação

Fernando Moraes/Folhapress
Imagem: Fernando Moraes/Folhapress

Colaboração para o UOL

07/01/2019 11h54

Neste novo ciclo de políticas e gestão que se inicia em 2019, é oportuno recordar o dever ético e o compromisso social que que nossos novos governantes devem ter com a Educação. E não qualquer Educação, mas sim uma de qualidade, baseada em evidências, conhecimento acumulado pela ciência da Pedagogia e experiências exitosas.

Muito tem se falado desse lugar privilegiado dado à Educação, falta, contudo, esclarecer que o máximo esforço de valorização do ensino deve ser depositado onde ele é mais necessário: no combate à crise de aprendizagem brasileira que se estende ao longo das gerações. Essa é uma crise silenciosa, que em sua mudez tem limitado o crescimento do País e contribuído enormemente para a desigualdade na distribuição de renda e no acesso a oportunidades.

Apesar da gravidade e centralidade dos problemas relativos à aprendizagem defasada, muitos são os distratores que desviam a atenção dos gestores públicos. É preciso, portanto, conhecer quem são nossos gigantes e quem são nossos moinhos de vento. Dois desses grandes moinhos já têm formas claras. O primeiro diz respeito à crença equivocada de que agir para reduzir a desigualdade educacional é promover o "coitadismo". Nada poderia estar mais longe do que mostra a literatura e os direitos fundamentais. Direcionar mais apoio e recursos financeiros às populações em desvantagem é um imperativo ético. É pré-condição para uma sociedade que caminha junta, uns apoiando os demais. O segundo ponto relaciona-se às ideologias e soluções mágicas para "salvar" a Educação.

Nosso gigante é, insisto em sublinhar, a aprendizagem que não acontece - reforçando ciclos de pobreza e dependência. Se quisermos vencê-lo, será necessário confiar nas soluções já testadas e largamente estudadas, são elas: atendimento à Primeira Infância de maneira intersetorial (articulando Educação, saúde, assistência, cultura e esporte); políticas (de atração, formação inicial e continuada, carreira e condições de trabalho) voltadas aos professores; aprimoramento da governança do sistema federativo e da gestão das redes e escolas; sistema de financiamento da Educação Pública mais equânime, capaz de induzir as boas práticas de gestão; novo Ensino Médio com variedade de percursos formativos, incluindo a expansão da Educação Profissional e da Educação Integral em tempo integral; uma política articulada com estados e municípios para universalizar a alfabetização até os 8 anos de idade; e implementação eficiente da Base Nacional Curricular Comum em todas as escolas e salas de aula.

Os países que hoje têm os melhores indicadores econômicos e sociais devem muito de seu sucesso a governantes com visão de longo prazo, que utilizaram sua liderança, recursos políticos e gestores para efetivar essas práticas. E no Brasil, a nova equipe executiva deve mirar nesse mesmo fim. Uma Nação de 48 milhões de alunos, distribuídos em escolas municipais, estaduais, federais e privadas, exige um trabalho técnico de qualidade no Ministério da Educação (MEC), capaz de rastrear os problemas específicos de cada região e dar apoio às redes locais.

Os Estados e Municípios brasileiros que levam a sério a gestão educacional estão focados nas sete medidas citadas e não em distratores ou moinhos de vento que não impactam diretamente na aprendizagem de nossas crianças. Em vez de drenar recursos em propostas sem comprovação de eficiência, é urgente colocar energia na promoção da aprendizagem cognitiva (relativa aos saberes convencionais, como Ciências e Português), claro; e também na consolidação de competências essenciais, no preparo para a vida, a cidadania e o mundo do trabalho - formação sem a qual não teremos cidadãos capazes de criar soluções criativas para nossos desafios sociais complexos.

Para isso, será preciso coragem dos tomadores de decisão para melhorar a gestão educacional, atuando em três frentes: melhorar a alocação dos recursos, melhorar a implementação das políticas e combater os desperdícios e desvios. Esses devem ser os pilares de um governo comprometido com a mudança da trajetória de milhões de meninos e meninas e, consequentemente, do Brasil.

E felizmente não é preciso partir do zero. Temos experiências de sucesso, como as escolas de Educação Integral em tempo integral cujo modelo começou em Pernambuco e já está em 17 Estados. Nelas, não há seleção de alunos, eles ficam na escola de sete a nove horas por dia e o custo por aluno é apenas 30% maior do que na escola regular de quatro horas diárias. O resultado é contundente: são essas as escolas cujo investimento rende os melhores indicadores no Ensino Médio brasileiro.

A responsabilidade de garantir igualdade de oportunidades e aprendizagem é imensa e o desafio, grande; mas não impossível.  O primeiro passo é escolhermos as boas batalhas, e não as soluções mágicas ou simplistas. É o que o Brasil quer e o que as crianças e jovens mais precisam.

Priscila Cruz