Cadê o professor que estava aqui?
No filme Ex-Machina (Alex Garland, 2015), a Androide Ava atinge um nível de autoconsciência e inteligência tão elevados, que simula perfeitamente comportamentos humanos. O mesmo mote é a linha narrativa do filme cult Blade Runner (Ridley Scott, 1982). No longa, a sociedade humana passa a se indagar se androides idênticos a humanos não seriam, de fato, uma nova categoria de pessoa. Transferindo essa reflexão para nossas escolas, será que tal sofisticação tecnológica de inteligência chegará a nossas salas de aula, tomando o lugar de nossos professores?
Para respondermos a essa questão, continuemos refletindo, tomando agora como base uma ficção nada científica: Merlí. A série disponível na Netflix é uma das obras de língua não inglesa mais elogiadas do último ano e é, justamente, protagonizada por um professor! A série espanhola de língua catalã eletriza quem se interessa por Educação, porque mostra uma atuação educadora de qualidade, mas realista. Com problemas, sim, no entanto essencialmente humana. Entre acertos e erros, Merlí, que leciona filosofia, mostra que um professor não é fácil de ser substituído.
Docentes jamais entram em uma sala de aula para “transmitir” um conhecimento cognitivo; eles vivenciam dilemas éticos e reagem com base no que sabem sobre seus alunos e também orientados por sua bagagem pessoal, que envolve carga de trabalho, satisfação pessoal, bem-estar, para citar apenas alguns aspectos. Essa sofisticação de interação está muito distante de qualquer Inteligência Artificial e, mais ainda, dos conteúdos e ferramentas digitais, que vieram para ficar, mas ficar nas mãos dos professores, e não acima deles. Logo, voltamos ao ponto central, é difícil substituir um professor.
Sabendo dessa importância, cientes de que precisamos de bons professores, deveríamos estar dando absoluta prioridade a esses profissionais, mas, por mais ilógico que pareça, ainda estamos distantes disso. Nossos professores estão em extinção. Diversas pesquisas mostram que o interesse pela carreira está desgastado. Uma pesquisa do Todos Pela Educação, de 2017, mostra que apenas 14% dos jovens de Ensino Médio querem fazer do ensino sua vida. Por que um número tão baixo? A resposta é desvalorização social e salarial. As licenciaturas estão cada vez mais esvaziadas e os especialistas indicam que, diante do alto número de docentes que devem entrar em idade de aposentadoria nos próximos dez anos, o risco de haver poucos lecionando em um futuro próximo é cada vez mais grave, mesmo com a diminuição do número de estudantes.
Assim, quando o assunto é o perigo que ameaça os docentes no futuro, não precisamos temer a tecnologia e sim nós mesmos. Os pesquisadores de inovação falam de sistemas inteligentes como possíveis auxiliares da Educação e não de substituição; ferramentas capazes de ajudar os professores na análise de perfil de aprendizagem dos alunos e na execução de tarefas repetitivas; ações bem-vindas pelos próprios professores.
Foi observando o papel insubstituível de seus docentes que nações como Finlândia e Coreia do Sul transformaram a Educação. Nesses locais, o professor é parte dos sonhos de seus povos, é a espinha dorsal das narrativas desses países. O brasileiro tem, cada vez mais, consciência dessa importância, como ficou claro na pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e do Todos Pela Educação, na qual a responsabilidade a eles atribuída pela população é enorme.
Diante de tudo isso, por que ainda achamos que os problemas dos professores não são nossos? Com a transição demográfica, e a consequente queda acentuada no número de crianças e jovens em idade escolar ao longo dos próximos anos, temos uma oportunidade valiosa: pagar e formar melhor nossos professores. Estamos atrasados, mas, como outras experiências bem-sucedidas já mostraram, ainda é tempo de formarmos professores para o futuro, ao invés de construirmos um futuro sem professores.
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